“A mulher veio, adorou-o de joelhos e disse: Senhor, ajuda-me! Ele respondeu: Não é certo tirar o pão dos filhos e lançá-lo aos cachorrinhos. Disse ela, porém: Sim, Senhor, mas até os cachorrinhos comem das migalhas que caem da mesa dos seus donos”. (Mateus 15.25-27)
Vamos ao contexto
Naquela época, Jesus estava concentrando seu ministério na região Norte da Palestina, na Galiléia — próximo da cidade de Nazaré, onde foi criado. Porém, Ele estava sendo rejeitado e muito desprezado nos ambientes religiosos.
Embora o ambiente fosse hostil para Jesus, muitos o reconheciam como o Messias — sua verdadeira identidade. Ele então, saiu da Galiléia e se apresentou para o mundo.
O capítulo 15 de Mateus, mostra que os fariseus eram bem conservadores e literalistas, conforme lembra o pastor e hebraísta, Luiz Sayão, em seus estudos no Programa Rota 66. A lei judaica, a lei do Antigo Testamento e as tradições dos judeus levaram aqueles religiosos a questionar Jesus.
Luiz Sayão. (Foto: Captura de tela/YouTube IBNU)
Jesus era visto como um transgressor da lei
Estudando os Evangelhos, percebemos que Jesus destacava o tempo todo que as pessoas estavam se perdendo na religiosidade, achando que suas ofertas e sacrifícios substituíam o relacionamento com o Criador.
Jesus passou a mostrar àqueles homens que eles estavam anulando a lei de Deus com suas tradições. Foi por esse motivo que Jesus os chamou de hipócritas.
E vale lembrar que “a hipocrisia é uma espécie de fingimento”, ou seja, tudo o que a pessoa faz é para chamar a atenção para si mesma. E, frequentemente, o hipócrita exige que as pessoas se comportem dentro de seus próprios parâmetros de conduta moral, que ele mesmo não consegue seguir. Resumindo, um hipócrita nada mais é que uma pessoa fingida, falsa e dissimulada.
Então, ao lidar com esses hipócritas, Jesus disse: “Este povo me honra com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. Em vão me adoram; seus ensinamentos não passam de regras ensinadas por homens”. (Mt 15.8,9)
Encontro de Jesus com a mulher cananéia
Depois dessas discussões com os fariseus, Jesus então foi para a região de Tiro e de Sidom (Mt 15.21), onde hoje fica o Líbano. Naquela fronteira, ele encontra a mulher cananéia que o reconheceu como Senhor e Messias. A Palavra diz que ela o adorou de joelhos, pedindo ajuda, pois sua filha estava endemoninhada.
Aquele cena, certamente chocou os discípulos, pois naquela região viviam povos que odiavam os judeus — “eram inimigos intelectuais, espirituais, teológicos e religiosos”, conforme especifica o teólogo e arqueólogo, Rodrigo Silva.
O primeiro ponto a ser observado é que Jesus nem respondeu à mulher estrangeira e ela não se ofendeu por isso, mostrando sua atitude de total humilhação. Continuar insistindo para ter a atenção de Jesus foi um ato de extrema coragem, já que as mulheres eram vistas como inferiores pelos judeus.
Quando os discípulos se aproximaram de Jesus, pediram para Ele mandar a mulher embora por causa da sua gritaria. E foi quando Jesus lhe dirigiu a palavra para dizer: “Eu fui enviado apenas às ovelhas perdidas de Israel”.
Ela não desistiu e continuou pedindo ajuda. E foi diante da perseverança daquela mulher que Jesus proferiu as palavras que consideramos duras: “Não é certo tirar o pão dos filhos e lançá-lo aos cachorrinhos”.
Foto representativa/Cena de filme
Significado de “cachorro” na Bíblia
Rodrigo Silva explica que a palavra hebraica “kelebh”, literalmente significa “cão” ou “cachorro”.
No contexto bíblico, o cachorro era considerado um animal selvagem, um carniceiro e um comedor de lixo. Logo, chamar alguém de cachorro, naquela época, era algo muito pejorativo. A Bíblia diz que os cães comeram a carne do corpo de Jezabel (2 Reis 9.35-37).
Rodrigo Silva. (Foto: Captura de tela/YouTube Rodrigo Silva Arqueologia)
Até os dias de hoje, usamos nomes de animais para fazer comparação com certas pessoas. Por exemplo, a frase interrogativa “Você é um homem ou um rato?” significa chamar alguém de covarde, desonesto ou ladrão.
No caso da mulher, que foi comparada a um cachorro, mostrava que em relação aos israelitas ela era inferior. Veja através de vários exemplos como a Bíblia trata a figura canina:
“Cuidado com os cães, cuidado com esses que praticam o mal, cuidado com a falsa circuncisão!” (Filipenses 3.2)
“Cães me rodearam! Um bando de homens maus me cercou! Perfuraram minhas mãos e meus pés”. (Salmos 22.16)
“Vocês serão meu povo santo. Não comam a carne de nenhum animal despedaçado por feras no campo; joguem-na aos cães”. (Êxodo 22.31)
“São cães devoradores, insaciáveis. São pastores sem entendimento; todos seguem seu próprio caminho, cada um procura vantagem própria”. (Isaías 56.11)
“Fora ficam os cães, os que praticam feitiçaria, os que cometem imoralidades sexuais, os assassinos, os idólatras e todos os que amam e praticam a mentira”. (Apocalipse 22.15)
“Não dêem o que é sagrado aos cães, nem atirem suas pérolas aos porcos”. (Mateus 7.6)
Porém, Jesus não estava classificando a mulher cananéia dessa forma, mas apenas provocando sua reação corajosa. Jesus também estava confrontando todos que estavam ali sobre a questão da intolerância aos estrangeiros, pois Ele sabia quais palavras sairiam da boca dela.
A humilde resposta da mulher cananéia a Jesus foi simplesmente: “Sim, Senhor, mas até os cachorrinhos comem das migalhas que caem da mesa dos seus donos”.
O que significa “comer migalhas”?
Através da réplica de uma peça arqueológica comprada no Museu de Istambul, o arqueólogo Rodrigo Silva mostra que a resposta da mulher cananéia tem um significado mais profundo do que já exploramos.
Ele explica que os judeus poderiam não ter cachorros de estimação, mas os não-judeus tinham, e jogar migalhas ou restos de comida para eles era algo comum. A mulher, então, estava comparando as culturas.
Na imagem de pedra, um cachorro está debaixo da mesa de seu dono, comendo migalhas, mostrando que, em outras culturas, era normal tratar os cães daquela forma, em vez de enxotá-los.
A necessidade daquela mãe a impulsionou à ação de procurar Jesus em posição de humilhação. “O comodismo tende à letargia e ao conformismo. É muito perigoso. Então, Deus permite a provação para lhe tirar desse lugar [de conforto]”, refletiu o arqueólogo.
“Aquela mulher deu um xeque-mate em Jesus [num bom sentido], ou seja, ela teve argumento”, explica Rodrigo ao esclarecer que o próprio Jesus preparou aquele ambiente para combater a xenofobia — rejeição aos estrangeiros — e o preconceito dos seus discípulos.
“Por isso, ele os tirou do seu conforto e os levou até o mundo dos pagãos, para mostrar para eles, e para mim, e para você, que existem pessoas ‘do lado de fora’ que são sinceras”, mencionou ainda.
“O nosso papel é pregar, e o juízo pertence a Deus”, disse ao apontar para a resposta de Jesus à mulher: “Mulher, grande é a sua fé! Seja conforme você deseja”. (Mt 15.28)
O final da história nós já conhecemos: “E naquele mesmo instante a sua filha foi curada”. Aquela humilde mulher cananéia alcançou o milagre que buscou.
Conclusão
Existe fé e espiritualidade “além de Israel”, ou seja, fora da igreja que frequentamos e até mesmo fora do cristianismo. Há pessoas em busca de Jesus, com a mesma fome e sede que tivemos um dia.
Rodrigo aponta ainda para as barreiras que a mulher cananéia deve ter enfrentado: “E ela foi firme até o final. Muitas pessoas teriam desistido na metade do caminho. A dificuldade dela poderia tê-la feito ficar presa em casa, questionando: ‘Onde está Deus?’. Mas ela saiu e foi atrás”.
“Precisamos ter perseverança e humildade espiritual para conseguir a nossa cura. Então, prostre-se diante de Jesus e o adore”, disse ao lembrar que a mulher estava disposta a ser considerada um simples “cachorrinho” em vez de “filha”, somente para entrar na presença do Pai.
“Coma as migalhas que Ele lhe der, pois serão mais saborosas e satisfatórias que qualquer pão deste mundo”, resumiu o arqueólogo.
E para finalizar, o pastor e líder do JesusCopy, Douglas Gonçalves, disse através de uma aula em seu canal no YouTube “Mateus Comentado por Nós #9”, que é importante olharmos para a atitude da mulher cananeia.
Aquela mulher reconheceu o senhorio de Cristo, o adorou antes de receber o milagre e reconheceu que não merecia nada da parte Dele. “Ela confiou na graça de Jesus, e essa é a fé do Evangelho — quando reconhecemos quão pecadores somos”, lembrou Douglas.
“Se migalhas curam, imagine sentar-se à mesa, como filhos”, ele concluiu.
E esse foi o estudo desta semana. Espero ter tirado a sua dúvida e também colaborado para o seu crescimento espiritual. Beijo no coração e até a próxima, se Deus quiser!
Por Cris Beloni, jornalista cristã, pesquisadora e escritora. Lidera o movimento Bíblia Investigada e ajuda as pessoas no entendimento bíblico, na organização de ideias e na ativação de seus dons. Trabalha com missões transculturais, Igreja Perseguida, teorias científicas, escatologia e análise de textos bíblicos.
*O conteúdo do texto acima é de colaboração voluntária, seu teor é de total responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Portal Guiame.