Estou no parque onde tomo sol e leio pelas manhãs de sábado. “Como são prazeirosos os dias de sol de inverno,” penso, enquanto me esforço para fixar a atenção no livro. Minha leitura é constantemente interrompida pelos gritinhos das crianças ou latido dos cachorros que brincam alegremente ao meu redor. Não me incomodam. Eu simplesmente observo, sorrio e continuo. Ora lendo, ora escrevendo, ora analisando os registros da primeira infância, que marcarão para sempre a vida desses pequeninos.
Fui arrancado bruscamente do texto pela voz de um pai que esbraveja com a filha, uma menininha de cerca de 3 anos, não mais.
- Não Marina! Não suba aí!
Marina, sem compreender direito exatamente porque não podia escalar a mesa de concreto do parque onde brincava com outras crianças, olha para o pai confusa e logo em seguida, como faz toda criança, volta a exercitar seus pequenos músculos na tentativa de escalar aquele objeto que parecia desafiá-la a uma aventura.
O pai, exageradamente estressado para uma manhã ensolarada de sábado, grita histericamente….
- Marina não sobe!
Marina, ainda sem fazer sentido do desequilíbrio do adulto (afinal tinha ido ao parque para brincar!), olha para o pai amedrontada pelo tom carregado de ameaça da voz que emenda:
- Se voce teimar, nós vamos embora agora!!
A pequena não sabe ainda o que significa o verbo teimar, nem tampouco faz ideia da engenharia dos termos contidos na frase, mas compreende quase que perfeitamente bem a carga emocional que as palavrinhas carregam. Desiste algo frustrada e confusa do seu projeto de exploração mas não retornará de sua expedição como a mesma menininha de apenas alguns minutos atrás. Marina está mudando rápido, aprendendo rápido e agora já é uma nova pessoa!
Marina agora tem um novo truque no seu modesto repertório de recursos para mover-se no sempre complexo jogo das relações humanas. Teve sua primeira lição de chantagem, esse recurso violento ao qual vez por outra recorremos para conseguir pequenas vantagens sobre os outros.
A chantagem é uma manobra desesperada e desonesta. Opera como desestabilizador das emoções para controlar, exercer poder, influenciar pelo medo… Este e outros artificios utilizados por adultos fracos nas disputas da vida cotidiana são aprendidos na primeira infância, sim, e os mestres via de regra são os próprios pais, pois, afinal, como diz o provérbio sertanejo, “O cavaco não costuma voar pra longe do toco!”
por Luiz Leite