Em 30 de outubro de 2024, um projeto de lei foi apresentado à Duma do Estado, câmara baixa do parlamento russo, para proibir a realização de cultos religiosos em instalações não residenciais de prédios de apartamentos.
A proposta, de autoria de deputados do partido Novo Povo, conhecido por suas posições liberais e pró-reformas, provocou intensa discussão entre líderes religiosos, especialmente de comunidades protestantes, segundo Vitaly Vlasenko, secretário-Geral da Aliança Evangélica Russa.
Esses grupos, segundo a entidade cristã, frequentemente utilizam espaços em edifícios residenciais para reuniões religiosas, uma prática que, segundo eles, é motivada pela escassez de locais específicos para culto em várias regiões da Rússia.
Representantes religiosos destacaram que a medida pode prejudicar o direito à liberdade de culto e aumentar as dificuldades enfrentadas por comunidades menores e menos assistidas pelo poder público.
O projeto reacendeu o debate sobre a relação entre o Estado e as religiões na Rússia, levantando questionamentos sobre a adequação da infraestrutura religiosa disponível e a tolerância às práticas de fé em um contexto urbano.
Posições pró liberdade religiosa
Vladimir Ryakhovsky, advogado e defensor de direitos humanos, destacou que propostas como essa podem infringir a Constituição russa, violando os direitos dos cidadãos à liberdade de consciência e religião.
Com experiência em defender casos similares no Tribunal Constitucional, Ryakhovsky alerta para os riscos jurídicos da medida.
Sergey Ryakhovsky, bispo presidente da União Russa das Igrejas Cristãs de Fé Evangélica (pentecostais), também manifestou preocupação.
Ele afirmou que a proibição de cultos em espaços não residenciais de prédios de apartamentos limita gravemente a atuação de comunidades religiosas, especialmente daquelas que não possuem templos próprios.
Relação do Conselho Consultivo com o Projeto de Lei
O Conselho Consultivo dos Líderes das Igrejas Protestantes da Rússia expressou preocupação com o projeto, afirmando que ele ameaça a liberdade religiosa de várias confissões.
Ressaltaram que espaços não residenciais em prédios de apartamentos são usados há anos para cultos sem gerar queixas significativas e pediram a retirada da proposta.
A Igreja Ortodoxa Russa também pediu revisão do texto, alertando que sua aprovação poderia levar ao fechamento de capelas domiciliares e dificultar ritos religiosos para enfermos.
O bispo luterano V.A. Provorov destacou que a fé genuína não prejudica o próximo e criticou tentativas históricas de limitar a liberdade religiosa, afirmando que a Rússia já possui leis suficientes para lidar com abusos sem restringir direitos.
Justificativa do projeto
Segundo a Aliança Evangélica Russa, os autores do projeto de lei apresentado no Parlamento justificam a proposta de proibir cultos religiosos em prédios de apartamentos com base em preocupações relacionadas à segurança pública, à conformidade com normas de segurança contra incêndios e ao conforto dos moradores.
De acordo com os parlamentares, a realização de encontros religiosos em ambientes residenciais pode atrair um grande número de pessoas, incluindo, possivelmente, migrantes irregulares, o que, na visão deles, aumentaria o risco de problemas relacionados à criminalidade e afetaria a ordem pública.
A Duma é uma das duas câmaras do Parlamento russo, a Assembleia Federal. (Foto: Duma)
Além disso, argumentam que a presença de aglomerações em espaços projetados para uso residencial frequentemente infringe normas de segurança contra incêndios, representando uma ameaça tanto para os participantes quanto para os moradores do edifício.
Também destacam o impacto no cotidiano dos vizinhos, que podem se sentir incomodados pelo barulho e pelo fluxo elevado de pessoas, o que, segundo os autores, contribui para conflitos domésticos e afeta a harmonia nos condomínios.
Contexto Histórico
Iniciativas semelhantes, segundo a Aliança Evangélica Russa, já ocorreram no passado.
Em novembro de 2019, houve tentativas de proibir cultos em residências particulares, mas, graças à atuação de juristas e defensores de direitos liderados por Vladimir Ryakhovsky, o Tribunal Constitucional da Rússia declarou tais propostas inconstitucionais.
O tribunal destacou que os ritos religiosos atendem às necessidades espirituais dos cidadãos e são essenciais para pequenas comunidades religiosas sem propriedades destinadas ao culto.
Assim, o novo projeto de lei pode novamente violar os direitos constitucionais à liberdade de consciência e religião.
Opinião dos líderes religiosos
Líderes protestantes criticaram o projeto, destacando a falta de espaços próprios para muitas comunidades religiosas se reunirem.
O pastor Alexander Fedichkin, de uma igreja batista em Moscou, afirmou que a proibição viola o direito à liberdade de reunião e vai contra o interesse do Estado em apoiar organizações que contribuem para o bem comum.
O pastor Sergey Filinov alertou que a medida dificultaria o trabalho de diversas entidades religiosas, que utilizam legalmente espaços não residenciais em prédios de apartamentos. Ele ressaltou que leis já existentes são suficientes para lidar com eventuais problemas de ordem pública.
O pastor Oleg Goncharov, da Igreja Adventista do Sétimo Dia, declarou que a proposta fere princípios constitucionais de liberdade de consciência e poderia intensificar conflitos sociais e inter-religiosos.
Para ele, a fé está intrinsecamente ligada à vida cotidiana: "A religião não pode ser separada da vida das pessoas, pois a fé está onde as pessoas vivem."