
A Espanha ultrapassou novamente a marca de 100 mil abortos em um ano. Conforme os últimos dados divulgados pelo governo, em 2024 foram realizados 106.172 abortos voluntários, um acréscimo de 2,9 % em relação a 2023.
Apenas 5 % desses procedimentos envolveram risco grave à saúde ou à vida da mulher, ou apresentavam graves malformações fetais. A grande maioria – 94,6 % dos casos – foram feitos a pedido da mulher sem que essas condições se aplicassem, o que representa um recorde segundo os registros do Ministério da Saúde.
Em termos etários, as maiores proporções de abortos ocorreram entre mulheres de 20 a 24 anos (19,6 %) e de 24 a 28 anos (18 %). Foram registrados 11.710 casos de meninas de até 19 anos (9,1 %).
No setor público, os abortos representaram 21,25 % dos casos – quase o dobro de dez anos atrás. A maioria dos procedimentos continua ocorrendo em clínicas privadas fora do ambiente hospitalar, com 70,9 % dos casos realizados nesse tipo de estabelecimento.
Sistema público
Entre 2019 e 2024, clínicas privadas receberam pelo menos 150 milhões de euros dos orçamentos públicos das comunidades autônomas para realizar abortos que não são cobertos pelo sistema público de saúde.
A proporção de mulheres espanholas que já passaram por aborto caiu levemente, de 67 % para 64 % em três anos. Entre mulheres de origem africana ou europeia, o padrão é semelhante. No entanto, entre mulheres da América do Sul, América Central e Caribe, houve um crescimento: de 17 % do total em 2015 para 22 % em 2024.
As comunidades autônomas com os maiores índices de abortos por mil mulheres continuam sendo Catalunha, Madrid e Ilhas Baleares.
A Espanha volta ao debate sobre o aborto nos últimos dias. Médicos cristãos têm pedido que os efeitos de médio e longo prazo do procedimento sobre as mulheres não sejam ocultados.
O menor número de abortos registrado recentemente foi em 2020 (88.269), ano em que a pandemia da Covid-19 impôs severas restrições de deslocamento, inclusive para acesso a serviços de saúde.
A lei do aborto de 2010 já havia gerado recorde em 2011, com 118.611 abortos.
Aborto na Constituição gera críticas
Além desses números, o governo de esquerda espanhol propôs recentemente consagrar o direito ao aborto na Constituição do país. A ideia, apresentada por Pedro Sánchez, visa garantir proteção jurídica máxima e evitar retrocessos nos direitos reprodutivos.
Se a medida for aprovada, a Espanha se tornaria o segundo país do mundo – depois da França – a inserir o procedimento em sua Carta Magna.
Todavia, essa proposta enfrenta críticas contundentes da Aliança Evangélica Espanhola (AEE).
Em nota pública, a AEE classificou a iniciativa como “demagógica” e “uma contradição em termos”, defendendo que “pensar que é um direito fundamental terminar uma vida humana é característica de culturas bárbaras mais típicas de tempos antigos”.
A organização reafirmou sua convicção de que “a vida humana existe desde o momento da concepção” e declarou que cada aborto é “uma falha da sociedade”, um evento doloroso para a mulher e para seus próximos.
Adoção ou apoio emocional
Outro ponto de crítica da AEE é a ausência de alternativas adequadas para mulheres que enfrentam gravidez indesejada.
Segundo a entidade, a lei vigente é “amplamente permissiva” e não oferece suporte suficiente para soluções como adoção ou apoio emocional, nem promove informação clara sobre os riscos e efeitos secundários do aborto, o que, na avaliação da Aliança, impede uma decisão realmente livre.
A Aliança também ironizou a retórica corrente no debate público: considera “absurdo e perturbador” que jamais se leve em conta os direitos da vida humana que será eliminada, e acusa o uso do termo “direitos reprodutivos” de ser paradoxal – pois, argumenta, aborto é o oposto de reprodução.
Por fim, a AEE se posicionou contra a criação de listas de profissionais de saúde que declararam objeção de consciência ao aborto, interpretando isso como “controle injustificado” sobre médicos que desejam se abster por motivos morais ou religiosos, repudiando a ideia de que tais registros sejam usados como “listas negras”.