Escolas sem acessibilidade, sem rede de esgoto, sem quadra de esportes e biblioteca, sem laboratórios de ciências e informática. Essa é a realidade de mais da metade dos colégios públicos do país, segundo dados do Censo Escolar 2013, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
Levantamento feito a pedido do G1 pela Fundação Lemann e pela Meritt, responsáveis pelo portal QEdu, mostra a desproporção entre as escolas públicas e privadas no que diz respeito à infraestrutura no Brasil. Na metade dos colégios públicos, por exemplo, não há acesso à internet. Já na rede particular, o número de escolas com computadores conectados chega a quase 90% (veja na página especial a comparação por cidade).
Os dados mostram que só 36% das escolas públicas têm esgoto encanado hoje – mais da metade delas contam apenas com uma fossa –, e 7% das instituições mantidas pelos governos não têm nenhum tipo de estrutura para lidar com os resíduos sólidos. Trata-se de uma enorme diferença em relação às particulares. Na rede privada, só 17% das escolas não contam com o serviço de esgoto encanado.
Para a secretária de Educação Básica do Ministério da Educação (MEC), Maria Beatriz Luce, os números do Censo expõem vários desafios no setor. “Os dados revelam claramente o contexto histórico-social do direito à educação e das responsabilidades e instrumentos da ação pública no setor. Mas eles não dizem respeito somente à educação, eles revelam as estruturas das desigualdades sociais no nosso país. Se há escolas que não têm esgoto nem internet, é provável que as residências no seu entorno também não tenham. Então é preciso tratar de uma política de desenvolvimento social por inteiro”, afirma.
Ernesto Martins Faria, coordenador de projetos da Fundação Lemann, diz que é preciso levar em conta que o contexto em que as redes privada e pública estão inseridas é completamente diferente. “A escola pública precisa atender crianças e jovens independentemente da região em que moram e das condições de sua localização, enquanto a escola privada existe quando há um interesse de um ofertante que vê uma demanda disposta a investir uma quantia financeira no ensino de seus filhos. Não por acaso são poucas as escolas privadas na rede rural”, diz.
Para ele, não é a defasagem em comparação com a rede privada que mostra a necessidade de a infraestrutura do ensino público melhorar. “A infraestrutura da rede pública precisa melhorar, pois boas condições para a aprendizagem são direitos dos alunos.”
Deficiências
Uma análise feita pelo G1 nos principais quesitos mostra, entretanto, que as deficiências não têm sido supridas ao longo dos anos. De 2010 a 2013, o percentual de escolas públicas com bibliotecas foi de 27% para 29%. Já a porcentagem de colégios com rede de esgoto subiu de 33% para 36% apenas.
Para Daniel Cara, coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, há hoje dois desafios latentes: a aquisição de insumos infraestruturais e a manutenção deles. “No caso das escolas públicas, depende do orçamento público. Muitos estados e municípios não têm orçamento suficiente. Então é preciso apoio da União. Aliás, é isso o que diz a Constituição Federal e não é cumprido. Além disso, a União não pode se notabilizar por adquirir equipamentos e depois não colaborar com a manutenção dos mesmos. Não falo apenas deste governo, falo deste e de todos os anteriores”, diz.
Existem hoje no país 38.835 escolas privadas e 151.871 escolas públicas, totalizando 190.706 instituições de ensino básico.
Discrepâncias
O percentual de escolas com biblioteca nas duas redes de ensino é um exemplo da discrepante oferta de serviços. Só 29% das públicas contam com o espaço. Já na rede privada, 59% das instituições possuem um espaço com acervo de livros para consulta.
Maria Beatriz diz que o problema nas instituições públicas é a falta de uma sala específica para tal fim. “Livros chegam a todas as escolas. O que às vezes não há é um espaço próprio. Algumas escolas rurais contam com apenas um ambiente, então não há nem espaço físico para uma biblioteca. O que a gente tem tentado fazer é colocar uma biblioteca dentro das salas de aula, para o aluno poder pegar o livro a qualquer hora. Há outros projetos interessantes, de bibliotecas ambulantes, por exemplo.”
Em relação à acessibilidade, tanto as escolas públicas quanto as privadas ficam devendo. Apenas 19% das públicas e 31% das privadas oferecem aos deficientes acesso adequado às suas dependências.
A secretária de Educação Básica ressalta que, apesar do índice baixo, houve um aumento de 61% em três anos no número de escolas acessíveis. “É algo fantástico, porque mostra uma conscientização da sociedade, que há uma política de inclusão escolar, levando às escolas crianças que antigamente eram isoladas do convívio com outras.”
Em relação à internet nas escolas públicas, Maria Beatriz diz que a meta é que todas contem com o serviço, mas que há barreiras a transpor antes disso. “Às vezes não há nem eletricidade, que é o caso de muitas escolas rurais. Então o Ministério da Educação está trabalhando em um projeto com o Ministério de Minas e Energia para dar prioridade de acesso de energia, à medida em que as redes vão avançando pelo campo, às escolas”, diz, citando que em alguns colégios na Amazônia há iniciativas de acesso à web por meio de placas solares.
Quantidade x qualidade
Segundo o pesquisador Renan Pieri, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), as escolas só precisam preencher no formulário do Censo se possuem ou não um equipamento e, por isso, os dados não revelam em que estado se encontram essas infraestruturas. “A maior parte das variáveis diz se a escola tem ou não tem alguma coisa, mas não diz nada sobre a qualidade. Assim, pode ser ainda que essas escolas que possuem maior disponibilidade de recursos também possuam infraestrutura de melhor qualidade, o que aumenta ainda mais a desigualdade nas condições de ensino”, afirma.
Dentro do próprio universo da rede pública, é possível perceber diferenças significativas tanto na oferta como na qualidade. Só 2% das escolas municipais têm um laboratório de ciências, por exemplo, contra 29% das estaduais e 72% das federais.
“Essa diferença também se manifesta geograficamente, sendo que as escolas rurais possuem disponibilidade de infraestrutura muito inferior às urbanas. Tal relação se explica pelo fato de parte significativa das escolas rurais serem municipais. A disponibilidade de infraestrutura em uma escola estadual está bem mais próxima da privada do que a municipal”, diz Pieri.
Segundo Ernesto Faria, da Fundação Lemann, os dados de infraestrutura escolar ilustram “dois Brasis”: o Brasil urbano e o Brasil rural. “O rural está em condições muito piores, e é preciso olhar mais para ele. Muitas comunidades rurais estão em áreas de infraestrutura precária, e os dados de rede de esgoto e acesso à internet são reflexo dos problemas locais”, diz o economista.
Maria Beatriz concorda que é preciso refletir sobre os dados levando em consideração a localização e as mantenedoras dos colégios. Segundo ela, uma leitura por outro viés mostra ainda que a educação infantil, com creches em estado crítico, é a que precisa de mais infraestrutura.
“O que a gente tem feito para auxiliar os municípios é dar a eles um projeto arquitetônico básico de uma escola, com todas as especificações, com uma quadra de esportes ou espaço para recreação, salas adequadas. A prefeitura tem que entrar apenas com a área já terraplanada. Até empresas já qualificadas a gente tem para atender as demandas das localidades, que têm dificuldade de fazer um processo de licitação”, afirma a secretária do MEC. Segundo ela, há hoje 6,7 mil escolas de educação infantil em construção.
De acordo com os números do Censo, as escolas públicas (inclusive as rurais) só superam as particulares em um item: alimentação. Segundo os dados, 100% das escolas municipais, estaduais e federais fornecem uma refeição aos estudantes (ante 29% das privadas). Isso acontece, no entanto, porque a merenda escolar na rede pública é obrigatória por lei.
Índice de infraestrutura
O pesquisador Renan Pieri defende a criação de um índice de infraestrutura escolar, além de um para analisar a formação dos professores. “A ideia é sintetizar todas essas informações do Censo (só no caso do indicador de infraestrutura são mais de 25 variáveis) em indicadores simples que qualifiquem a divulgação dos índices de qualidade da educação. Assim, quando saírem a ANA [Avaliação Nacional de Alfabetização] ou o Ideb [Índice de Desenvolvimento da Educação Básica] será possível entender quais fatores explicam algumas escolas terem melhor desempenho que outras e separar o que é devido a diferenças de infraestrutura ou qualificação dos docentes e o que é devido às boas práticas e ideias inovadoras que os gestores têm adotado”, diz.
O Censo Escolar é realizado todos os anos e coleta, além de dados sobre a infraestrutura dos estabelecimentos, números de matrículas e estatísticas de abandono e de rendimento escolar. Neste ano, o Inep iniciou a coleta no último dia 28. Ela deve ser feita até o dia 15 de agosto.
Segundo o instituto, as informações são utilizadas para traçar um panorama nacional da educação básica e servem de referência para a formulação de políticas públicas e execução de programas na área da educação, incluindo os de transferência de recursos públicos.
“É necessária uma política de cooperação federativa para combater as desigualdades, aprimorar as condições e induzir um padrão nacional de qualidade nas escolas, não importando se ela é privada, municipal, estadual ou federal”, afirma Maria Beatriz Luce. “O quadro não é satisfatório. Há uma insuficiência da estrutura, que evidencia o baixo valor secular dado à educação. Mas o MEC tem trabalho cada vez mais, investindo também na gestão da educação, com a qualificação de diretores e a formação de professores”, conclui.