O bullying na internet entre colegas da mesma escola sai da web e vira problema na sala de aula, segundo pesquisa feita com professores de escolas particulares. De acordo com os dados, 64% dos docentes afirmam que percebem casos de ofensas pela internet entre os seus alunos, e 73% dizem que as publicações feitas pelos estudantes nas redes sociais provocam problemas de relacionamento entre os colegas.
Da parte dos alunos, 16% relataram já ter sofrido preconceito na internet, 23% revelaram que já sofreram insultos ou outras formas de violência na web, 40% já sentiram medo por alguma situação que aconteceu na rede, e 4% admitiram que evitaram ir à escola ou até sair de casa por causa de ameaças ou ofensas sofridas pela web.
Os dados estão na edição de 2014 da pesquisa "Este Jovem Brasileiro", realizada pelo Portal Educacional, mantido pelo Grupo Positivo, e obtida com exclusividade pelo G1. A pesquisa ouviu 4 mil estudantes de 13 a 16 anos, além de 300 pais de alunos e 60 professores de 36 escolas particulares em 14 estados brasileiros para traçar um perfil sobre o comportamento deles na internet. Eles responderam às perguntas de forma anônima por meio de um formulário on-line. O estudo foi feito em parceria com o psiquiatra Jairo Bouer.
O uso da internet e das redes sociais não só já faz parte diária da vida de 95% dos estudantes que responderam à pesquisa como também ocupa uma parte considerável: 85% deles dizem que passam pelo menos duas horas navegando pelos sites nos quais se relacionam com outras pessoas.
O acesso à web pelos jovens não acontece só em casa ou na rua. O uso exagerado da internet em sala de aula é apontado como a origem de problemas escolares por 80% dos professores que participaram da pesquisa. Mais da metade dos professores (59%) dizem que os alunos de 13 a 16 anos não têm consciência dos riscos aos quais estão expostos na internet. Além disso, esse hábito se tornou a terceira maior preocupação dos professores em relação aos seus alunos –atrás apenas do rendimento escolar e das dificuldades emocionais.
Intrigas virtuais
Alunas do Colégio Dante Alighieri, em São Paulo, contam que a convivência dos amigos do colégio nos ambientes virtuais acabam criando inimizades quando todos ficam cara a cara na escola e mencionaram por cima diversos casos que se passaram com colegas de suas turmas. "As pessoas ficam postando indiretas. Tem o aplicativo Secret, que todo mundo usa só para criticar os outros", explicou Gabriela Santini, de 16 anos. Ela diz que a fonte dos comentários é anônima, mas o conteúdo deixa bem claro o destinatário da ofensa, com nome, sobrenome e o colégio em que estuda.
Sua irmã, Sofia, de 14 anos, diz que não tem Secret e mal usa o Instagram. Para ela, a grande graça do computador é buscar notícias de bandas de quem gosta. Para falar com os amigos, ela prefere o Whatsapp no smartphone. Mas, mesmo sem participar assiduamente das redes sociais, Sofia diz que os efeitos das intrigas virtuais chega até seus ouvidos entre uma aula e outra. "Já vi bastante coisa acontecer, mas não me intrometo, só peço para pararem de brigar", comentou a aluna do 9º ano do ensino fundamental.
As meninas costumam conviver pouco com desconhecidos on-line. Além do Secret, Gabriela usa o Facebook e o Instagram, todos fechados para quem não é amigo dela. Antes de aceitar um desconhecido que pede para segui-la no aplicativo de fotos, ela pergunta para a mãe se é conhecido dela. "Mas se é um desconhecido que estuda no mesmo colégio eu aceito", disse.
Além dos amigos, os únicos desconhecidos que Eduarda Vitorino Ferreira Costa, de 14 anos, segue no Instagram são celebridades, mas ela costuma aceitar qualquer pedido para ser seguida. Ela relatou apenas uma situação estranha, quando uma dessas pessoas deixou um comentário chamando-a de "linda" em uma das fotos que publicou. "Eu apaguei, mas depois fui ver e era uma menina da minha idade também", contou.
A jovem também relatou um caso de bullying pelo Facebook que marcou a turma do 9º ano do colégio, motivado por ciúmes. Segundo a jovem, uma menina da sua sala ficou com um colega e outra menina do mesmo ano, que gostava do menino, pediu para as amigas importunarem a primeira garota. "Elas postavam comentários, marcavam a minha amiga, diziam coisas como 'você quer o chilete que ela mastigou também?'", relatou Eduarda. O caso, segundo ela, aconteceu em um sábado, e no domingo houve a briga virtual. "Mas as outras pessoas do colégio ficaram contra elas. Na segunda, elas viram que ninguém tinha gostado e apagaram os comentários."
Coordenadores de colégios de São Paulo ouvidos pelo G1 compartilham das preocupações apontadas pelos professores na pesquisa. "Há um uso muito indiscriminado e pouca percepção da internet como espaço público", disse André Meller, coordenador do Colégio Oswald de Andrade. "O que você posta está indo para uma rede mundial, e os alunos postam sem ter essa dimensão." O colégio, porém, procura não "demonizar" as redes sociais e aplicativos mais usados pelos adolescentes. "O papel da escola é ajudar o aluno a perceber o bom uso da ferramenta."
Para Valdenice Minatel de Cerqueira, coordenadora do Departamento de Tecnologia Educacional do Dante Alighieri, apesar de os adolescentes estarem anos-luz à frente dos adultos em relação ao conhecimento e uso habitual dessas tecnologias, falta neles a experiência e a maturidade para lidar com os aspectos da internet relativos à convivência. Por isso, ela diz que uma das tarefas da escola é mostrar aos adolescentes informações para as quais muitas vezes nem os pais atentam.
Uma delas é o mito do anonimato. "Tecnicamente a gente sabe que não é possível, mas as pessoas embarcam na ilusão do anonimato", explicou. Outro conceito trabalhado pelo colégio é a relação do tempo na internet. "As coisas jamais são apagadas das redes sociais, e o tempo digital pode ser constantemente revivido."
Pais se preocupam menos
De acordo com a pesquisa, para os pais, o comportamento dos filhos na internet é o quarto motivo de preocupação, atrás dos problemas emocionais, da violência e das notas no colégio, e à frente das drogas, do cigarro, do álcool e da sexualidade.
Mas só 16% dos pais afirmaram que seus filhos já enfrentaram problemas ou dificuldades na escola ou com seus amigos por causa do que fizeram nas redes sociais.
A advogada Claudia Mestieri, de 43 anos, é mãe de Gabriela e Sofia. Embora ela saiba que as filhas usam as redes sociais, ela mesma se diz contra o Facebook e decidiu não manter um perfil no site. "Elas são um pouco tranquilas, eu não vejo muito problema. Mas de vez em quando checo o que elas fizeram", afirmou ela, admitindo que busca no histórico do navegador os sites visitados pelas filhas. Seus irmãos que têm Facebook também procuram observar o comportamento das duas sobrinhas. "Elas usam para falar com os amigos, e eu alerto sempre dos problemas", disse ela.
A administradora de empresas Janiara Vitorino Arruda, de 39 anos, faz o mesmo com a filha Eduarda, de 14, mas diz que se preocupa menos que o pai com o que a adolescente faz on-line. "Ele faz de tudo para pegar meu telefone desbloqueado", afirma Eduarda, que ganhou seu primeiro celular aos 4 anos. A mãe diz que as duas conversam normalmente, mas não sabe se a filha esconde coisas dela. "Ela não conta porque eu não pergunto, mas ela é muito estudiosa, nunca faz nada errado", explicou Janiara. "Eu conto tudo para a minha mãe. Não conto o que é irrelevante, mas se tem a ver comigo eu falo", diz a filha.
Alunos evitam o papo sobre a web
Para 40% dos adolescentes que participaram da pesquisa, não é preciso ter conversas com seus pais sobre segurança na internet, e metade não usa qualquer tipo de filtro para controlar quem pode ver as fotos que publicam nas redes sociais.
As escolas, porém, se preocupam em tratar a questão de forma transversal. No Dante, as equipes que atuam com a tecnologia educacional e com a orientação e o aconselhamento incluem questões como o anonimato, o respeito ao próximo e até aspectos legais do conteúdo postado nas redes. Os demais professores também podem lidar com os temas nas suas aulas. Além disso, os alunos do ensino médio –que recebem tablets pessoais para uso pedagógico, e o colégio instituiu um comitê de alunos que se reúne com a direção toda semana e aborda as questões técnicas e comportamentais.
No Oswald, segundo André Meller, os professores são incentivados a mostrar outros usos das redes sociais aos alunos, sempre respeitando a idade mínima determinada pelos próprios sites. Um exemplo é a criação de grupos no Facebook destinados a um certo tema pesquisado em um projeto. Mas a escola também mostra para os alunos que há outras ferramentas úteis na internet além das redes sociais, e o próprio colégio desenvolve algumas delas.
Os celulares e tablets não são proibidos e podem ser usados sempre que há um fim pedagógico para eles, como o acesso a sites de pesquisa ou de reprodução de um vídeo, por exemplo. "As ferramentas entram no momento que está combinado", diz Meller.
Nenhuma das alunas ouvidas pelo G1 admitiu ter publicado conteúdo ofensivo sobre terceiros na web. Mas, de acordo com os dados da pesquisa, 72,5% admitiram já ter mentido na internet e 37% disseram que já agiram de modo agressivo ou ofensivo com alguém pela web. Os alunos concordaram que a internet torna mais fáceis a agressão, o preconceito e as mentiras, e 37,5% já se arrepederam de algum conteúdo que publicaram.
Para Valdenice, do Dante, hoje vivemos em uma cultural digital "que ninguém escolheu" e, por isso, é preciso definir com os mais jovens algumas regras de conduta para que eles não se percam por trás do anonimato. "É papel da escola trazer os alunos para o mundo dos adultos. E é assim que o mundo dos adultos funciona", diz Valdenice.