Um dos seis rostos publicamente conhecidos das vítimas de Roger Abdelmassih, a empresária Yvany Serebenic celebrou com cautela o anúncio da prisão do ex-médico, na tarde desta terça-feira (19). Há três anos ela faz parte de um grupo de mulheres que tenta apoiar as demais vítimas e colher informações sobre o paradeiro de Roger, foragido há quatro anos.
“Me paralisei. Não sei se sinto fome, cansaço. Se ele não vai dormir, eu também não. Enquanto não vi as imagens não acreditei. Eu achei que ia ficar muito feliz, mas não conseguia imaginar a sensação. Agora o medo é dele não ficar preso", disse.
Em 2013, elas criaram um perfil da associação no Facebook e passaram a colaborar diretamente com a Polícia de São Paulo. Com a página, voltaram a ser ameaçadas. Apesar do medo, comemoraram a participação que tiveram nos desdobramentos do caso.
“Eu recebi de forma bastante satisfeita, com sensação de ter ajuda nisso. Nós, vítimas, contribuímos bastante com as denúncias. Recebíamos várias informações e íamos municiando a polícia. Eram informações de verdade, porque graças a ela a gente consegui desvendar esse paradeiro misterioso", defende.
A empresária revela que foi uma das primeiras a denunciar, assim que o assunto começou a ganhar espaço na imprensa. Desde então, diz que passou a conviver com o medo das constantes ameaças.
“Logo que denunciei recebi telefones dizendo que iam acabar comigo, iam me destruir. Que eu ia pagar. Foram buscar diagnóstico meu antigo para saber se eu tinha problema de engravidar. Tentavam alegar que eu não tinha procurado tratamento com ele.”
Yvany buscou auxílio do médico em 2000. Iniciou o tratamento para engravidar quando estava prestes a completar 34 anos. Era recém-casada e tinha “pressa”, pois sonhava em ser mãe. Empenhou mais de 30 mil dólares, à época em que, segundo ela, a moeda americana correspondia a três vezes o valor da brasileira. É uma das 56 que acusaram o médico de estupro.
Após o assédio, ela abandonou o tratamento. Só teve coragem de relatar o que passou cinco anos depois. “É muito difícil falar. A gente sente vergonha, é constrangedor. É uma hipocrisia achar que você está querendo aparecer. Quem vai querer com uma situação dessa?”, questiona.Apesar do alivio de ver seu agressor novamente detido, teme que o médico seja solto pela segunda vez. ”Apelo para a Justiça para que ele fique realmente preso, que ele viva muito e pague dentro da prisão pelos crimes que cometeu. Se mais uma vez esse homem for solto quem vai viver foragida somos nós”. Algumas, porém, já deixaram o país por medo, relata Yvany. “Teve vítima que saiu do Brasil para se esconder de tão apavorada que ficou”.
O caso
O ex-médico Roger Abdelmassih, de 70 anos, foi preso nesta terça-feira (19) em Assunção, capital do Paraguai, de acordo com a Polícia Federal (PF). Ele foi preso por agentes ligados à Secretaria Nacional de Antidrogas do governo paraguaio com apoio da Polícia Federal brasileira. (Veja o vídeo divulgado pela Secretaria Nacional Antidrogas do Paraguai)
Após o procedimento de deportação sumária, Abdelmassih chegou ao Brasil às 18h por Foz do Iguaçu (PR), cidade na fronteira com o Paraguai, de onde será transferido para São Paulo. A prisão ocorreu às 14h30, no bairro Villa Morrá, em Assunção.
O ex-médico era considerado um dos principais especialista em reprodução humana no Brasil. Após sua condenação e fuga, passou a ser um dos criminosos mais procurados pela Polícia Civil do estado de São Paulo. A recompensa por informações sobre seu paradeiro era de R$ 10 mil.
Chegada ao Brasil
Abdelmassih chegou à delegacia da Polícia Federal de Foz do Iguaçu, no oeste do Paraná, por volta das 18h. Ele desembarcou em um aeroporto dentro da Usina de Itaipu, no lado paraguaio, na fronteira com o Brasil, e seguiu de carro até a Ponte da Amizade, que fronteira com Foz do Iguaçu. Abdelmassih será transferido para São Paulo, mas a Polícia Federal ainda não confirmou a data.
Investigações em São Paulo
Em nota, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) de São Paulo afirmou que a prisão do ex-médico ”somente foi possível por informações obtidas em investigações do Ministério Público do Estado (MPE) que contaram com a colaboração da Polícia Civil do Estado de São Paulo”.
“As apurações incluíram o cumprimento de mandados de busca e apreensão autorizados pela Justiça numa fazenda de propriedade do médico em Avaré, em maio. Dos trabalhos, participaram promotores e policiais civis”, acrescenta o comunicado.
Denúncias e condenação
Roger Abdelmassih foi acusado por 35 pacientes que disseram ter sido atacadas dentro da clínica que ele mantinha na Avenida Brasil, na região dos Jardins, área nobre da cidade de São Paulo. Ao todo, as vítimas acusaram o médico de ter cometido 56 estupros.
As denúncias contra o médico começaram em 2008. Abdelmassih foi indiciado em junho de 2009 por estupro e atentado violento ao pudor. Ele chegou a ficar preso de 17 de agosto a 24 de dezembro de 2009, mas recebeu do Supremo Tribunal Federal (STF) o direito de responder o processo em liberdade.
Em 23 de novembro de 2010, a Justiça o condenou a 278 anos de reclusão. Abdelmassih não foi preso logo após ter sido condenado porque um habeas corpus do Superior Tribunal de Justiça (STJ) dava a ele o direito de responder em liberdade.
O habeas corpus foi revogado pela Justiça em janeiro de 2011, quando ex-médico tentou renovar seu passaporte, o que sugeria a possibilidade de que ele tentaria sair do Brasil. Como a prisão foi decretada e ele deixou de se apresentar, passou a ser procurado pela polícia. Em maio de 2011, Abdelmassih teve o registro de médico cassado pelo Conselho Regional de Medicina de São Paulo.
Médico alegava inocência
O ex-médico sempre alegou inocência. Chegou a dizer que só ‘beijava’ o rosto das pacientes e vinha sendo atacado por um "movimento de ressentimentos vingativos". Mas, em geral, as mulheres o acusaram de tentar beijá-las na boca ou acariciá-las quando estavam sozinhas - sem o marido ou a enfermeira presente.
Algumas disseram ter sido molestadas após a sedação. De acordo com a acusação, parte dos 8 mil bebês concebidos na clínica de fertilização também não seriam filhos biológicos de quem fez o tratamento.
Em nota, os advogados Márcio Thomaz Bastos e José Luis Oliveira Lima afirmaram que a defesa "aguarda o julgamento da apelação interposta perante o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo" contra a decisão que o condenou.
A defesa alega que, por isso, a sentença não transitou em julgado. "No tocante a sua prisão, a defesa não irá se manifestar", informaram em nota.