Outro dia ouvi um fiel e puritano seguidor do Nazareno fazer o seguinte pedido: “Ah, eu gostaria de ter a fé de Abraão!”. Feito o pedido fechou os olhos, sorriu sinceramente e suspirou. Toda a dramaticidade das palavras e expressões comunicavam piedade e um desejo sincero por um tipo de fé invencível, heróica e inabalável. Lindo. E preocupante.
A cena que vi não é incomum, muito menos rara. Milhões de cristãos sonham com as vitórias, as conquistas e os milagres contidos nas narrativas bíblicas. Tudo normal e dentro do script para os ideais daqueles que creem. O problema é que histórias inspiradoras são exatamente isso: inspiradoras. Querer repetir o sobrenatural pode vir a ser frustrante.
Exemplos? Vamos lá. Quantas vezes o mar vermelho e o Rio Jordão se abriram? Quantas vezes um carro de fogo e um redemoinho sugaram um profeta? Quantas vezes o sol parou? Quantas vezes uma família construiu uma arca? Quantas vezes um homem de Deus foi transladado? Quantas vezes um homem andou sobre as águas?
E qual o problema em querer ter uma fé como a de Abraão? Nenhum. Ou todos! Para ser coerente com tal pedido, preciso ser coerente com toda a vida do patriarca. Portanto preciso aceitar todo o pacote, senão serei semelhante aos milhões que amam o Jesus Salvador e odeiam o Jesus Senhor, numa escolha que define que o Jesus que salva é bom, enquanto o que ordena mandamentos não é tão bom assim. Percebe a fragilidade de relações pela metade?
Então, ok, pedido atendido, aqui está a fé de Abraão. Mas não se esqueça de todo o pacote: saia da tua parentela, vá para uma terra sem qualquer preparo, apenas confie que farei de ti uma grande nação, te deixarei anos sem que sua esposa possa te dar filho, depois te darei milagrosamente um filho, depois mandarei que você mate este filho e, bem, em vida, você não verá todas as promessas que lhe foram prometidas. E aí, topa? Não sei você, mas acho firmemente que eu vacilaria.
E note, para chegar-se a conclusão que Abraão é o nosso pai na fé, primeiro ele teve que passar por cada prova. Enfim, se deixar levar pela empolgação e fazer pedidos e promessas sem qualquer ponderação, via de regra, é caminho certo para grandes micos. Vide exemplo o grande Pedro: “De forma alguma te negarei ou te abandonarei, Senhor...” Aham!
A fé precisa amadurecer e se assentar em nosso coração. Pode ser pequena, simples, limitada, sem problemas. O que se exige é que a fé, independente de seu tamanho ou força, seja pura. Pura como a minúscula semente do grão de mostarda. Aí, na perspectiva desta pureza podemos e devemos nos inspirar com os fatos bíblicos e, com fé, nos abandonarmos nas mãos de Deus para vivermos nossas particulares histórias.
Se não consigo me comparar com Abraão, tem um pai na Bíblia com o qual consigo me comparar, seu nome não nos é informado e, sem medo de ser mal interpretado, meu nome se encaixaria bem para aquele pai. Marcos 9:14 a 29 narra o drama de um pai com seu filho mudo e surdo. Conversando com este pai, Jesus diz a ele que se ele podia crer, tudo então seria possível ao que cresse. Observe, foi o próprio Cristo que fez tal afirmação e, mesmo assim, a honestidade daquele pai até hoje me comove. Veja a resposta dele no versículo 24: “Eu creio, Senhor! Ajuda a minha incredulidade.” Sinceridade total em admitir os limites pessoais da própria fé. E autenticidade sem pretensões de se querer impressionar é fundamental no relacionamento com Aquele que conhece a tudo e a todos.
Nunca vou esquecer o conselho que li num livro ainda na minha adolescência: “Cuidado com o que você pede, pois Deus pode atender sua oração!” Ou seja, uma fé temperada com juízo, confiança e temor, sempre fará questão de declarar: “Acima de tudo, Senhor, faça a Tua perfeita vontade, pois a ela me submeto”