Cada vez mais as pessoas querem uma resposta certa. Uma que garanta escolhas e decisões corretas, sem riscos ou erros. E receitas, como sabem os amantes da cozinha, sozinhas não se garantem. Pense num simples pudim de leite. A receita pode ser a mesma, mas o resultado é diferente em cada casa que visitamos, em cada restaurante que freqüentamos. Por muito tempo achei que sabia o que era Strogonoff e Risoto, até o dia que precisei acompanhar a produção fotográfica de um livro de receitas, durante intensos quatro dias a experiência internacional de um gourmet me mostrou que eu nada, ou pouco, sabia.
Ao final de um culto, no momento da oração, domingo à noite, véspera do início de mais uma segunda-feira, pedi para aqueles que desejassem saber como seriam os acontecimentos da sua particular semana levantassem a mão. Quase toda igreja ergueu a mão. Somos assim. Gostaríamos de conhecer os detalhes do futuro, do nosso amanhã. Se possível fosse, queríamos ter acesso a todos os detalhes do caminho. No final, seja qual for a boa justificativa, temos grandes semelhanças com Tomé, queremos uma receita que garanta nossa segurança.
Em João catorze, depois de Jesus aconselhar para que os corações dos discípulos ficassem em paz, garantindo-lhes a segurança nas moradas da casa do Pai, Tomé, no versículo cinco, faz a seguinte pergunta: Senhor, nós não sabemos para onde vais; e como podemos saber o caminho? Observe a distância da pergunta de Tomé para a fala de Jesus. Enquanto Jesus fala de uma promessa futura para filhos da fé, Tomé quer uma receita que ele possa controlar. Enquanto Jesus fala que vai preparar lugar e voltar para levar os seus, Tomé quer se garantir com a receita certa.
Jesus, como em muitas situações nos evangelhos, não dá a resposta desejada por seu interlocutor. Mas dá a melhor e mais reveladora resposta. No versículo seis Ele afirma: Eu sou o caminho, a verdade e a vida, ninguém vem ao Pai, senão por mim. Em outras palavras, o que Jesus respondeu a Tomé foi: Não vou te dar uma receita, mas te convido para um relacionamento.
George Carlin, um falecido comediante americano, tem um pensamento nada engraçado, e muito realista, para essa tensão entre receita e relacionamento: ''Estamos na era do fast-food e da digestão lenta; do homem grande, de caráter pequeno; de lucros acentuados e relações vazias''. De fato, lucros acentuados não são capazes de comprar bons relacionamentos. Somente o exercício autêntico da comunhão que compartilha o riso, a lágrima, a dor, a vida, a morte, o pão, a fome, a fartura, enfim, somente a construção de afetos e respeitos ao longo de um dia atrás do outro, somente a prática de uma comunhão diária poderá nos brindar com a experiência de se relacionar. Experiência esta onde queimar etapas ou eliminar pessoas é impossível.
A pergunta de Tomé indica que ele quer saber o endereço para onde vai Jesus, e como se chega lá. A resposta de Jesus diz para Tomé que sem Ele, Jesus, as receitas e os métodos são uma grande furada. Numa tradução livre, Jesus está dizendo: ''Tomé, me dê a mão. Caminhe comigo. Caminhe sempre ao meu lado. Se relacione comigo, aprenda de mim, siga meus conselhos, a verdade e a vida estão em mim, estão nas palavras que ordeno, que oriento. Em comunhão comigo, num relacionamento de fé e confiança nas minhas palavras, por fim, estaremos todos juntos com o Pai''.
Não confie nas receitas. Invista na bênção de relacionamentos saudáveis. Mário Quintana, poeta gaúcho, solta uma faísca de lamento num de seus versos: ''Quando se vê, passaram 60 anos! Agora, é tarde demais para ser reprovado''. Não era tarde para Tomé, não é para você, para o ancião do seu bairro também não é tarde, não é tarde para o adolescente. Como Tomé, torço para que todos nós deixemos de lado a técnica e a estética da receita, e tenhamos nossos momentos da mais pura adoração num relacionamento de fé, confiança e reverência, momentos onde nossa alma declarará com surpresa, admiração e certeza: meu Senhor e meu Deus!
Antes que eu me esqueça: gosto demais de pudim! De todos que já experimentei, o da Regina é insuperável. Já faz vinte anos que usufruo o sabor inigualável do pudim que ela faz. Até hoje, no entanto, nada sei sobre a receita e os segredos das mãos dela no preparo. Mas tenho com ela a certeza de que sempre viverei a liturgia de degustar um delicioso pudim, pois tenho com ela a cumplicidade de um relacionamento, infinitamente mais prazeroso e gratificante que o doce, mas que também me premia com o doce. Isto é relacionamento. Sonho com as delícias da Nova Terra, mas sou vocacionado a me relacionar com Cristo aqui nesta terra e, nesta terra, experimentar nEle e com Ele, as indizíveis alegrias da caminhada de fé.
Paz.
Pr. Edmilson Mendes
Edmilson Ferreira Mendes é teólogo. Atua profissionalmente há mais de 20 anos na área de Propaganda e Marketing. Voluntariamente, exerce o pastorado há mais de dez anos. Além de conferencista e preletor em vários eventos, também é escritor, autor de quatro livros: ''Adolescência Virtual'', ''Por que esta geração não acorda?'', ''Caminhos'' e ''Aliança''.