Cosmovisão cristã e ensino escolar

Dentro da tradição cristã, a educação é considerada uma ferramenta de transformação e desenvolvimento humano que vai além do conteúdo acadêmico.

fonte: Guiame, Marcio Scarpellini

Atualizado: Quarta-feira, 13 Novembro de 2024 as 3:32

(Foto: Pixabay)
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A instrução formal é um dos pilares mais importantes de qualquer sociedade, pois molda o entendimento, o caráter e o futuro das próximas gerações, além de solidificar os conhecimentos científicos já conhecidos, pretendendo perpetuá-los para que as gerações futuras possam aproveitá-los, continuando a desenvolver conhecimentos tecnólogicos e científicos nas mais diversas áreas do conhecimento. No entanto, o modo como se ensina e os valores que orientam esse ensino são tão ou mais importantes do que o próprio conteúdo.

Dentro da tradição cristã, a educação é considerada uma ferramenta de transformação e desenvolvimento humano que vai além do conteúdo acadêmico. O que chamo de "cosmovisão cristã" ou, ainda melhor, uma “cosmovisão bíblica”, trata-se das próprias estruturas mentais necessárias para que o indivíduo interprete e “leia” o mundo que o cerca, as pessoas, as coisas, as ideias.

É, portanto, mais do que uma “maneira de ver e entender o mundo”, mas os pilares para a experiência da própria vida. Em uma analogia, não se trata apenas dos “óculos” com os quais vemos o mundo, pois podemos trocar de óculos. Trata-se, então, dos próprios olhos, com suas características, forma e conexões neurais que transmitem ao cérebro as imagens visualizadas.

Uma cosmovisão bíblica, portanto, oferecerá base nos ensinamentos e valores bíblicos, proporcionando uma contribuição fundamental para o ambiente escolar, para os conteúdos propostos para o ensino regular, pretendendo então formar indivíduos que de fato venham contribuir para a formação de famílias equilibradas, e uma sociedade de fato melhor.

O que é a cosmovisão cristã?

Podemos definir o termo “cosmovisão” como um conjunto de ideias e crenças que orientam a maneira como uma pessoa compreende o mundo, definição simples e visível na própria ascepção do termo. Uma cosmovisão cristã, portanto, baseia-se em princípios bíblicos e vê o homem e o mundo como criação de Deus, com propósitos, funções e significados dados pelo próprio Criador.

Esse entendimento influencia diretamente a visão que o cristão tem sobre todas as dimensões da vida, inclusive sobre o papel da escola, que deve ser então, não apenas instruir, mas contribuir para a formação de seres humanos completos, que amam a Deus e ao próximo, agindo para o bem comum, em vistas à vida eterna. Esta contribuição da escola, se dá na medida de que, biblicamente, a função precípua de formar a próxima geração é dos pais.

Vemos esta determinação de forma expressa no texto do livro de Deuteronômio 6, onde percebemos a função de ensinadores dos princípios e estatutos eternos ordenadas de fato aos pais. Assim, a família deve ter esta consciência de forma absolutamente clara em mente e, apenas a partir desta consciêcia, lançar-se a estabelecer uma parceria com uma instituição escolar que reforce os princípios que foram ensinados em casa, aprofundando-os e aplicando-os nas áreas de conhecimento a serem exploradas.

Um ensino escolar submetido à cosmovisão cristã deve propiciar um ambiente em que o aluno desenvolva uma vida ética, responsável e comprometida com a verdade. Aqui cabe lembrar que trato sempre da Verdade como um conceito universal, único, inabalável, e capaz de manter-se por si mesma, em oposição à ideia de pós-verdade, verdades plurais ou, ainda, verdades relativas.

O processo de escolarização cristã deve ir além da ideia de que o conhecimento se basta por si mesmo ou de que a devemos ‘conhecer por conhecer’ ou ainda, que seja um conhecimento para aquisição de habilidades técnicas. Em vez disso, o processo de escolarização cristã deve propor que todas as coisas foram feitas por Deus e para Deus, para sua glória, e conhecê-las deve ser visto como um ato de adoração e glorificação a Deus, pois poderemos testificar as maravilhas feitas pelas suas mãos.

Ao estudar a obra de um autor, o quadro de um pintor ou a música de um compositor, nos aproximamos do caráter deste artista, de suas predileções, das formas com as quais ele cria. Assim também, deve-se pretender que ao estudar os aspectos físicos da natureza, fenomenológicos das linguagens, das artes, do homem em todas as dimensões de sua existência, estaremos nos aproximando do conhecimento da sabedoria e do caráter do próprio Deus. A partir deste conhecimeento e experiência, o aluno deve ser levado então ao passo de não apenas saber sobre a criação ou as coisas feitas por Deus, mas deve então passar a caminhar com o próprio Deus, aprendendo dEle, diretamente dEle, sobre como deve se portar nas diversas áreas da vida, inclusive da ciência, mas também da ética e das virtudes.

Assim, um colégio cristão não deve apenas ter os aspectos estéticos ou litúrgicos como caracterização de sua “cristianicidade”, mas deve principalmente e profundamente, avaliar o que ensina e como ensina, passando por quem ensina, submetendo todos estes fatores ao que diz a Bíblia sobre os conteúdos e a forma de fazer um ensino correto à luz da própria Bíblia.

Contribuições históricas do Cristianismo para a educação

O Cristianismo, em sua longa história de mais de 2.000 anos, sempre foi um dos maiores incentivadores da educação. A Reforma Protestante transformou profundamente o papel da escola na sociedade. Lutero acreditava que todos deveriam ter acesso à leitura da Bíblia em seu próprio idioma e, para isso, promovia a alfabetização e a tradução de textos sagrados. Esse movimento deu origem à ideia de educação universal, um princípio fundamental das sociedades modernas.

Os reformadores também fundaram instituições de ensino que refletiam o desejo de uma educação que promovesse o desenvolvimento integral das pessoas. Nas colônias norte-americanas, por exemplo, os protestantes puritanos fundaram escolas e universidades, como Harvard, para educar líderes com valores éticos e espirituais sólidos. No Brasil, a tradição protestante trouxe instituições de ensino de qualidade, como os colégios Mackenzie, Batista e Presbiteriano, todos fundamentados em uma educação baseada em princípios cristãos.

Essas escolas não só visavam à instrução acadêmica profunda e consistente, mas buscavam formar o caráter do aluno, reforçando virtudes como honestidade, responsabilidade e solidariedade. Esse modelo educativo inspira muitas escolas confessionais até hoje e reforça a importância de valores sólidos para a construção de uma sociedade ética e justa.

A educação cristã hoje: desafios e relevância

No contexto contemporâneo, a cosmovisão cristã no ensino escolar enfrenta novos e complexos desafios. Em um ambiente cada vez mais plural e secularizado, muitas vezes o professor e a escola deparam-se com dificuldades em afirmar valores absolutos ou defender uma visão cristã da verdade e da moralidade. No entanto, se os princípios cristãos estiverem enraizados nos profissionais responsáveis por este processo, a perspectiva cristã de mundo jamais será uma barreira para o respeito aos diferentes; ao contrário, uma educação baseada em valores cristãos também ensina o respeito ao próximo, a dignidade de cada ser humano e a compaixão, dedicada com mais profundidade àqueles que ainda não compreendem ou não aceitam a fé cristã.

Através do estudo de boa ciência, de boa filosofia, de bons conhecimentos, a cosmovisão cristã deve pretender um ambiente de ensino que explore as dimensões da existência de forma profunda e completa, estudando, por exemplo, a vida humana não apenas na dimensão física, mas também na dimensão das emoções (da psiquê) e também na dimensão espiritual. Compreender a vida de uma maneira mais ampla, fará com que o professor veja o aluno não apenas como alguém “sem a luz do conhecimento”, mas como alguém em formação, caminhando para alcançar a completude da visão  de um Deus eterno que viu essa criança ser formada desde ventre de sua mãe, de um Deus que ama essa criança de maneira única e especial, e deseja fazer nela e através dela, propósitos que podem mudar a história de uma família, de uma cidade, de uma nação ou até de toda a humanidade.

O aluno de uma escola cristã deve ter um senso crítico apurado, ser um perseguidor da verdade, questionador dos modismos culturais, que muitas vezes promovem ideias prejudiciais ao bem-estar individual e coletivo. Além disso, em tempos de alta competitividade e busca de resultados, um ensino de fato cristão deve reforçar a importância do serviço e da colaboração, entendendo que o conhecimento que serve (ao outro) de fato não serve para nada.

A educação como missão

A escola cristã deve ter como missão não apenas formar profissionais, mas formar cidadãos que vejam seu trabalho e sua vida como uma vocação ao serviço e a uma vida relevante. Ao compreender esses valores, o ensino regular transcende sua visão costumeira e ganha um propósito maior: formar seres humanos que impactem positivamente o mundo ao seu redor e glorifiquem o nome do Criador em todas as áreas de suas vidas.

Em tempos de rápidas transformações, é essencial que pais, professores e a sociedade como um todo reconheçam o valor de um ensino formal que vá além do currículo e dos objetivos de ensino-aprendizagem. As escolas cristãs têm muito a oferecer ao fortalecer valores éticos e espirituais, formando indivíduos que, com fundamentos cristãos sólidos, estarão preparados para viver e atuar em um mundo complexo e que certamente continuará alterando-se frenéticamente. Um ensino bem fundamentado e integral no sentido da completude da vida é um legado que beneficia não só o indivíduo, mas toda a sociedade. Indivíduos sadios podem de fato contribuir para a cura da sociedade.

 

Marcio Scarpellini é Pastor, Administrador de Empresas, Pedagogo, Cientista Social, Pós-Graduado em Educação, Política e Sociedade, Antropologia, Neurologia Aplicada à Aprendizagem, Psicanálise e Ciências da Religião. Diretor Escolar, professor e palestrante, é casado há 20 anos com a Patrícia e pai do João Pedro e da Manuella.

* O conteúdo do texto acima é uma colaboração voluntária, de total responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Portal Guiame.

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