“Se houver um pobre dentre vós ou algum de vossos irmãos em vossas cidades… não endureçais o vosso coração nem fecheis a mão contra o vosso irmão necessitado. Ao contrário, certamente lhe dareis, e não endureçais o vosso coração quando o derdes” (Dt 15:7-10).
A expressão repetitiva e a ênfase na palavra “ele” são preocupantes. “Certamente lhe dareis e não vos sentireis mal” seriam suficientes. Por que a frase “quando o derdes” é necessária? A Torah se refere à pessoa a quem você doou. Ela nos diz para não nos sentirmos mal por doar caridade. Por que a frase extra sobre o destinatário?
O Rabino Yosef Dov Soleveitchik, o Rav (Rabino) de Brisk, era reverenciado em toda a Europa como um erudito e sábio talmúdico de destaque. Um aspecto de seu caráter era conhecido por brilhar ainda mais do que sua erudição: sua humildade.
Certa vez, ele parou em uma hospedaria no meio de uma noite congelante e pediu hospedagem. Não tinha ninguém com ele, e o estalajadeiro o tratou com grosseria. Ele não revelou quem era e, após implorar ao estalajadeiro, foi autorizado a dormir no chão perto de um fogão. O estalajadeiro, pensando que o homem era um pobre mendigo, não lhe ofereceu comida e recusou-se a lhe dar mais do que um pouco de pão e água, pelos quais o Rabino Soleveitchik estava disposto a pagar.
Na manhã seguinte, o Rabino Soleveitchik não viu a expressão de choque no rosto do estalajadeiro quando algumas das figuras ilustres da cidade chegaram à hospedaria. “Soubemos que o Brisker Rav estava de passagem por esta cidade. É possível que ele tenha passado pela sua estalagem ontem à noite?”
A princípio, o estalajadeiro ignorou a pergunta – até que o Rav apareceu e o grupo entrou para cumprimentá-lo calorosamente. Em poucos minutos, os dignitários da cidade convergiram para a estalagem com seus alunos e crianças, todos em fila para encontrar o grande sábio.
Terrivelmente envergonhado, o estalajadeiro, que percebeu ter repreendido e humilhado uma figura importante da Torah, decidiu implorar perdão ao Rav.
“Rebe”, gritou ele, “sinto muito. Eu não fazia ideia de que o senhor era o Brisker Rav. Por favor, me perdoe.”
O Rav respondeu: “Eu adoraria, mas, veja bem, isso seria impossível.”
“Mas por quê?”, perguntou o dono, chocado.
“Veja bem”, explicou o sábio. “Você vem pedir perdão ao Brisker Rav. Não foi ele quem você insultou. Você degradou um simples judeu que veio para se hospedar – e ele não está mais aqui para te perdoar.”
A Torah explica que, em essência, existem duas partes na tzedaká [caridade]: o patrono e o destinatário. Frequentemente, o doador se distancia do destinatário; ele quer dar, mas não se importa com o destinatário. Ele pode até ter desdém pela pessoa que está na porta, mas a mitzvá [mandamento] da tzedaká anula seu pré-julgamento e uma contribuição é dada. Talvez a Torah enfatize as palavras “não se sinta mal em seu coração quando você der a ele”, para nos ensinar uma lição importante.
Além da mitzvá de dar, deve-se identificar também com o destinatário. Conheça a verdadeira situação da pessoa a quem você está doando. Entenda para que você está doando. Certifique-se de que, ao doar a ele, seu coração não esteja de mau humor. A Torah reconhece o mais simples mendigo como alguém digno o suficiente para ter seu pronome repetido. “Certamente, dê-lhe; não se sinta mal em seu coração quando o der.” Se a Torah for cuidadosa o suficiente para classificar o mendigo como um indivíduo que transcende um destinatário genérico – e o transforma em um beneficiário pessoal – então talvez ele seja digno de reconhecimento por todos nós.
Tradução: Mário Moreno
Mário Moreno é fundador e líder do Ministério Profético Shema Israel e da Congregação Judaico Messiânica Shema Israel na cidade de Votorantim. Escritor, autor de diversas obras, tradutor da Brit Hadasha – Novo Testamento e conferencista atuando na área de Restauração da Noiva.
*O conteúdo do texto acima é de colaboração voluntária, seu teor é de total responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Portal Guiame.
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