Um vídeo viral chamou minha atenção recentemente. Mostra uma favela ao lado de um aterro sanitário no Paraguai, onde os moradores constroem instrumentos com o lixo que recolhem.
Uma lata grande e alguns pedaços de madeira e metal, nas mãos de alguém com visão, transformaram-se em um violoncelo. Aí, uma orquestra surgiu, exalando um aroma contagiante e redentor.
Construir coisas com os elementos da terra é admirável. Extrair música da escória da terra é ainda mais. Essas melodias recicladas mostram que, mesmo em um lugar aparentemente abandonado por Deus, há beleza digna de uma sinfonia.
Achei esse projeto uma metáfora interessante para a transição para o Ano Novo, pois todos nós vivemos em meio ao lixo. Estamos cercados por restos do consumo e da ganância humana. Recolhemos pedaços dos nossos corações pela casa. Ouvimos suspiros, gritos e choros silenciosos em apartamentos solitários ao nosso redor.
Há um episódio curioso quando Jesus cura um cego no evangelho de João. Jesus cospe no chão, coloca a lama resultante sobre os olhos do homem e ele começa a ver. Jesus faz isso para lembrar a criação da humanidade – Adão feito do pó da terra – como se dissesse: "Eu ainda estou no negócio da criação. Ainda posso trabalhar com lama, lixo, qualquer coisa, e fazer você ver."
"Você transformou meu lamento em dança", grita o salmista. "Você tirou o meu pano de saco e me vestiu de alegria." O Senhor transformou nosso lixo em música, em outras palavras.
É uma música que não se esquece da nossa dor, mas que usa até mesmo nossas notas baixas de desespero para compor uma música ainda mais atraente, porque não é higienizada. É feita com o lixo de quem somos.
O Salmo 30 conclui: "para que o meu coração cante os teus louvores e não se cale. Senhor meu Deus, eu te louvarei para sempre".
Essa também é a minha melodia para 2024. Pegue esse aterro sanitário que é meu coração, Senhor, e faça uma música que seja agradável a Ti.
René Breuel é um escritor brasileiro que mora em Roma, na Itália. Autor da obra Não é fácil ser pai (Mundo Cristão), possui mestrado em Escrita Criativa pela Universidade de Oxford, no Reino Unido, e em Teologia pelo Regent College, no Canadá. É casado com Sarah e pai de dois meninos, Pietro e Matteo.
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