Líderes cristãos da Nigéria informaram que cristãos continuam sendo perseguidos no país por causa de sua fé, contrariando uma narrativa internacional crescente que minimiza o caráter religioso da violência no país.
Segundo eles, a declaração de estado de emergência de segurança nacional anunciada pelo presidente Bola Ahmed Tinubu em 26 de novembro, em resposta ao avanço da violência, não passa de uma “cortina de fumaça” e não representa um compromisso real do governo em enfrentar a perseguição contra os cristãos.
As declarações foram feitas durante uma conferência global organizada pela Portas Abertas Internacional. No evento, o jornalista e pesquisador Stephen Kefas, da cidade de Kaduna; o deputado federal Terwase Orbunde, de Abuja; e o advogado de direitos humanos, jornalista e professor Jabez Musa relataram atrocidades cometidas contra cristãos nas regiões central e norte da Nigéria.
Quando o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, voltou a classificar a Nigéria como um País de Preocupação Especial por cometer ou não impedir graves violações da liberdade religiosa, passou a circular globalmente uma narrativa falsa de que os cristãos não sofrem mais perseguição no país do que os muçulmanos.
‘Há evidências documentadas’
Os palestrantes confirmaram a violência por meio de pesquisas, lógica e relatos pessoais de perseguição. Com isso, desmentiram que a violência no Cinturão Médio da Nigéria é motivada por uma disputa por direitos de terra entre cristãos e pastores fulani.
“Posso afirmar com toda a responsabilidade que, de fato, os cristãos têm sido perseguidos na Nigéria, e há inúmeras evidências documentadas que comprovam esse fato. Por mais objetivo que se queira ser, por mais conservador que se queira ser, não se pode ignorar esse fato”, disse Kefas, fundador do Middlebelt Times e analista sênior do Observatório para a Liberdade Religiosa na África.
Com mais de 15 anos de experiência cobrindo a violência no Cinturão Médio e ex-preso político, Kefas relatou que comunidades cristãs têm sido atacadas por terroristas islâmicos que destroem igrejas, sequestram e matam cristãos, empobrecem vilarejos e exigem resgates, além de confiscar propriedades.
Embora outras religiões estejam presentes na região, ele destacou que “apenas os cristãos estão sendo alvos”. No norte do país, de maioria muçulmana, onde 12 estados adotam a lei islâmica (Sharia), os cristãos sofrem ainda mais ataques do que muçulmanos moderados.
“Pelo que documentei nos últimos 15 anos como jornalista no terreno, posso afirmar que, de fato, existe uma perseguição contínua contra os cristãos na Nigéria”, explicou ele.
‘A terra é o que menos importa’
O aumento da violência começou a se intensificar em 2009 com o surgimento do Boko Haram, grupo terrorista ligado ao Estado Islâmico, que inspirou o aparecimento de outras facções focadas em ataques contra cristãos.
“As táticas brutais do grupo, incluindo atentados a bomba, sequestros, raptos, estupros, casamentos forçados e assassinatos, se intensificaram, afetando desproporcionalmente cristãos e outros grupos vulneráveis”, alertou Musa.
E continuou: “Literalmente, o Boko Haram proíbe e odeia tudo o que é ocidental, particularmente a educação, e o cristianismo é visto por eles como uma cultura ocidental que deve ser esmagada”.
Musa descreveu como “conservadora” sua estimativa de que o Boko Haram matou mais de 50.000 cristãos no nordeste do país nos últimos 15 anos, além de centenas de milhares de outros deslocados e forçados a fugir da região. Dados da missão Portas Abertas indicam que, dos 4.476 cristãos mortos no mundo por causa da fé em 2024, cerca de 3.100 estavam na Nigéria.
Além do Boko Haram, grupos como extremistas Fulani, o Estado Islâmico da Província da África Ocidental, Lakawara e a recém-emergente facção Mahmuda também têm como alvo comunidades cristãs em todo o país. A organização Genocide Watch informou que ao menos 62 mil cristãos foram mortos na Nigéria entre 2000 e 2020 por causa de sua fé.
Hoje, segundo Musa, os Fulani são ainda mais letais do que o Boko Haram e utilizam armas de guerra, como fuzis e metralhadoras. Um relatório do Observatório para a Liberdade Religiosa na África, assinado por Kefas, reforça essa afirmação.
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Milhares de cristão continuam sendo assassinados por terroristas no país. (Foto: Reprodução/Baptist Press)
Líderes do Cinturão Médio afirmaram se sentir ofendidos pela alegação de que a violência na região, majoritariamente cristã, se resume a disputas por terras. Eles ressaltaram que cristãos e fulanis conviveram pacificamente por décadas antes dos ataques terroristas e destacaram que as vítimas dos ataques são, em sua maioria, cristãs.
“A terra é o que menos importa. Talvez seja isso que eles queiram em última análise, tomar a terra, mas primeiro precisam destruir o povo. E, pelo fato de serem cristãos, não podemos ignorar essa questão”, declarou Orbunde.
Segundo os líderes, terroristas costumam atacar igrejas e planejar ações durante datas religiosas, como o Natal e a Páscoa. Eles citaram ataques recorrentes no período natalino no Cinturão Médio e a violência mortal na Páscoa de 2025, tanto no centro quanto no norte do país.
Kefas afirmou ter realizado pesquisas e entrevistas em pelo menos 70 vilarejos de maioria cristã, onde Fulanis e cristãos viveram em harmonia por décadas antes da disseminação do terrorismo.
“É a mesma coisa que vemos no mundo todo. Aconteceu na Austrália há alguns dias, quando um grupo de pessoas estava celebrando algo que queria comemorar, e então terroristas vieram e os mataram”, destacou Kefas, referindo-se ao massacre de judeus que celebravam o Hanukkah na praia de Bondi em 14 de dezembro.