
A nova série animada da Disney Pixar “Win or Lose” gerou um intenso debate cultural ao apresentar seu primeiro personagem abertamente cristão em quase 20 anos – uma decisão que contrasta fortemente com a recente remoção de uma história transgênero do mesmo projeto.
“Win or Lose”, que estreou no Disney+ em 19 de fevereiro após um adiamento da estreia originalmente prevista para 2023, se passa no universo lúdico dos filmes “Divertida Mente” da Pixar. A série acompanha os Pickles, um time de softball do ensino fundamental, ao longo da semana que antecede o jogo do campeonato.
Com uma abordagem semelhante à de “Divertida Mente”, cada um dos oito episódios foca na perspectiva e nos pensamentos de um personagem diferente.
O episódio de estreia da série, “Coach's Kid”, apresenta Laurie, filha do técnico do time, que enfrenta desafios relacionados à insegurança e à ansiedade. Em uma das primeiras cenas, Laurie, enquanto se prepara para o jogo que se aproxima, inclina a cabeça, junta as mãos e ora, pedindo força a Deus.
"Querido Pai Celestial, por favor, me dê força... Eu só quero pegar uma bola ou conseguir uma rebatida", ela diz. "Prometo que serei boa e, hum, não farei aquilo de novo."
Em outra cena, Laurie ora: "Por favor, me ajude a ser boa. Vou treinar muito."
Cristianismo em cena
Essa cena representa a primeira vez, desde “O Corcunda de Notre Dame” (1996), que um personagem da Disney é mostrado fazendo uma oração explicitamente cristã. No filme, a canção “God Help the Outcasts” traz versos como: "Deus ajude os párias / Famintos desde o nascimento / Mostre-lhes misericórdia / Que eles não encontram na Terra / Deus ajude meu povo / Olhamos para Ti / Ainda assim, Deus ajude os párias / Ou ninguém ajudará."
Embora “Coach's Kid” apresente elementos de fé, nem todo o seu conteúdo segue uma perspectiva bíblica. Em outra cena do episódio, Laurie conversa com sua mãe, uma consultora de tarô, que tenta interpretar as cartas para prever acontecimentos importantes em sua vida.
"Deixe-me adivinhar, você fez um home run?", diz a mãe, virando uma de suas cartas de tarô de cabeça para baixo. "Não, espere, isso é sacrifício? Ah, que mórbido."
A introdução de Laurie, uma personagem abertamente cristã, ocorre após a decisão da Disney, em dezembro, de remover uma história LGBT de “Win or Lose” que envolvia uma criança identificada como transgênero, após pressão de grupos conservadores.
Críticas LGBT
A oração de Laurie também gerou críticas de diversos veículos LGBT, entre eles o Pink News, que afirmou que, embora a inclusão de um "personagem explicitamente cristão seja relativamente inofensiva", no contexto geral, ela poderia causar desconforto no público LGBT.
O veículo acrescentou: "Embora as crenças cristãs de Laurie não sejam retratadas como [anti-transgênero], e personagens cristãos não sejam incongruentes com personagens [transgêneros] – é claro que alguém pode ser tanto religioso quanto transgênero – alguns espectadores sentem que as duas decisões juntas indicam que a Disney está voltando para uma visão de mundo mais tradicional e conservadora."
Inicialmente previsto para ser lançado em 2023, a estreia de “Win or Lose” foi adiada para fevereiro e está disponível na plataforma Disney+.
Como descrito na página da série no Internet Movie Database, “Win or Lose” narra a história de um "time de softball do ensino fundamental na semana que antecede o jogo do campeonato", com cada episódio sendo "contado a partir da perspectiva de um personagem diferente". O programa, que é a primeira série animada da Pixar, conta com a voz do ex-integrante do “Saturday Night Live”, Will Forte.
A decisão da Disney de abandonar um enredo focado em um personagem identificado como transgênero vem após a empresa enfrentar críticas por sua oposição ao projeto de lei de Direitos Parentais na Educação, aprovado na Flórida em 2022.
Embates com legislação da Flórida
A medida, amplamente criticada como o projeto de lei "Não Diga Gay", proíbe professores e funcionários de escolas públicas de abordar questões relacionadas à orientação sexual e identidade de gênero com alunos do jardim de infância até a terceira série.
No ano seguinte, o Conselho de Educação da Flórida modificou a lei para estendê-la a todos os alunos até o 12º ano, com exceções nos casos em que "tal instrução seja expressamente exigida pelos padrões acadêmicos estaduais" ou "faça parte de um curso de saúde reprodutiva ou aula de saúde, para o qual os pais do aluno tenham a opção de impedir que seu filho participe".
A Disney se opôs veementemente ao projeto de lei inicial, com o então CEO da empresa, Bob Chapek, prometendo aumentar o "apoio financeiro para grupos de defesa a fim de combater legislações semelhantes em outros estados".
Nas semanas seguintes ao compromisso da Disney em combater a legislação, surgiram gravações de vídeo mostrando funcionários da empresa discutindo um esforço para incorporar "queerness" (pessoas fora das normas tradicionais de gênero e sexualidade) na programação infantil.
Após a adoção da ideologia LGBT pela empresa, uma pesquisa conduzida pelo Trafalgar Group em parceria com a Convention of States Action, em abril de 2022, com 1.079 prováveis eleitores das eleições gerais, revelou que quase 70% dos americanos estavam menos propensos a fazer negócios com a Disney devido a notícias que "mostravam que a empresa estava se concentrando na criação de conteúdo para expor crianças a ideias sexuais".
Woke não é barato
A era “woke” ("acordada", em tradução livre) da Disney teve um alto custo. As ações da empresa caíram de seu pico à medida que o público se afastou e vozes conservadoras acusaram a empresa de promover um excesso cultural.
No entanto, a introdução de Laurie – um personagem que representa fé, humildade e coragem – pode sinalizar o começo de um arco de redenção. É um movimento ousado em direção aos valores que ainda sustentam grande parte da nação, bem distante da política de identidade que contribuiu para os recentes fracassos da Disney.
Estamos testemunhando o alvorecer de uma nova Disney?”, pergunta o site Thrive News. “Win or Lose ainda está sendo lançado, e os holofotes de Laurie podem ser a faísca que reacende a conexão do estúdio com os americanos comuns. Para uma companhia que tropeça no escuro, a oração desse personagem cristão pode ser apenas o milagre que ela precisa.”