O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria nesta quinta-feira (8), por 9 votos a 2, para decidir que estados e municípios podem restringir cultos religiosos presenciais durante a pandemia de Covid-19.
Votaram contra a liberação de celebrações religiosas presenciais os ministros Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e Luiz Fux. Os únicos ministros que votaram a favor da liberação foram Nunes Marques e Dias Toffoli.
Em suas considerações na sessão desta quarta (7), o relator do caso, Gilmar Mendes, alegou que as restrições não ferem a liberdade religiosa e citou outros países que adotaram restrições semelhantes.
A questão teve que ser debatida pelo plenário da Corte, após impasse entre ministros sobre o tema.
Em decisão no sábado (3), véspera da Páscoa, o ministro Kássio Nunes Marques autorizou a realização de cultos presenciais em todo o Brasil. A medida se referia a um pedido feito pela Associação Nacional de Juristas Evangélicos (ANAJURE).
Com a medida, governadores e prefeitos não poderiam exigir o cumprimento de normas ligadas à prevenção do coronavírus, que barrassem a realização de cultos e missas de quaisquer credos e religiões.
Nos últimos dias, no entanto, os ministros Nunes Marques e Gilmar Mendes tomaram decisões conflitantes sobre o assunto.
Na segunda-feira (5), dois dias depois da decisão de Nunes, Gilmar Mendes negou pedido do PSD para suspender o decreto do estado de São Paulo, que proibia a realização de cultos presenciais.
Em sua decisão, Gilmar Mendes alegou que o fechamento de igrejas é necessário diante do cenário da pandemia. O ministro também citou decisões anteriores do STF: Em março, Luiz Fux suspendeu uma liminar do Tribunal de Justiça de Pernambuco, que liberou a realização de cultos religiosos em Recife. Rosa Weber também negou o pedido de uma igreja evangélica contra um decreto em Mato Grosso, que proibiu cultos e missas no estado.
Igreja aberta é direito constitucional
Na semana passada, o ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), André Mendonça, defendeu a suspensão de decretos estaduais que proíbem a realização de cultos presenciais. Ele disse ao Supremo que a dignidade e as liberdades fundamentais dos cidadãos devem ser respeitadas durante a pandemia.
“Até que ponto essa delegação foi um cheque em branco? O governador e o prefeito podem fazer qualquer medida sem sequer passar pelo Poder Legislativo local? Não existe controle? Não tem que respeitar proporcionalidade? Se autoriza rasgar a Constituição? Se autoriza prender um vendedor de água ambulante e espancá-lo na rua, enquanto nos grandes supermercados isso é feito legitimamente?”, questionou.
Mendonça, que também é pastor, questionou ainda a inexistência de restrições a outras atividades e situações, como o transporte público. “Por que somente as igrejas? Por que essa discriminação?”, perguntou o ministro da AGU.
“Não estamos travando um debate entre a vida e a morte. Estamos tratando, isso sim, de uma perspectiva onde todo cristão se presume defender a vida incondicionalmente”, defendeu. Todo cristão sabe e reconhece os riscos e perigos dessa doença terrível. Todo cristão sabe que precisa tomar sim cuidados e cautelas diante dessa enfermidade. Não se trata também de uma discussão política. Todos nessa discussão defendemos a vida.”
Ele concluiu, dizendo: “Não há cristianismo sem vida comunitária, não há cristianismo sem a casa de Deus, sem o dia do senhor. É por isso que os verdadeiros cristãos não estão dispostos jamais a matar por sua fé, mas estão sempre dispostos a morrer para garantir a liberdade de religião e de culto.”
Juristas defendem abertura
Juristas ouvidos pelo Globo também fizeram ponderações sobre o fechamento de igrejas. O presidente da ANAJURE, Uziel Santana dos Santos, presidente a Associação Nacional dos Juristas Evangélicos (Anajure), defendeu a abertura dos templos e criticou a interferência do poder público no funcionamento de igrejas, sob a justificativa de combater a pandemia.
Para Thiago Rafael Vieira, advogado do Instituto Brasileiro de Direito e Religião, as medidas são importantes, mas deve haver limites. Ele também fez uma comparação entre a situação das igrejas e a do transporte público, que continua podendo funcionar.
Luiz Gustavo Pereira da Cunha, advogado do PTB, também defende que a proibição total é desproporcional. O advogado da Associação Centro Dom Bosco de Fé e Cultura, Taiguara Fernandes de Souza, destacou a importância do sacramento presencial para os católicos.
“Eucaristia não se faz por fibra ótica. Batismo não é realizado com água filmada na TV. Batismo é feito com água real e a eucaristia depende da matéria do pão e do vinho. Para os católicos, isso é inegociável. Não existe sacramento virtual”, disse Taiguara.