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Governo Chávez censura epidemia de violência da Venezuela

Governo Chávez censura epidemia de violência da Venezuela

Atualizado: Sexta-feira, 8 Junho de 2012 as 9:32

Marsílea Gombata

Instituto oficial deixou de divulgar número de vítimas em 2004; segundo ONG, país tem taxa maior de homicídio do que a média dos piores anos da Guerra do Iraque

Em Caracas, uma epidemia incomum tem transformado o lar de quase 3 milhões de pessoas em capital do medo. No metrô, qualquer um é suspeito, e a atenção a bolsas e celulares é redobrada. Ao anoitecer, quem caminha sozinho corre o risco de ser alvo de sequestro relâmpago ou ser vítima de latrocínio. O cenário de tensão descrito é rotina para quem transita pela capital da Venezuela, que tem sido palco de uma epidemia de violência.

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Cenário de 53 mortes violentas por dia, a Venezuela encerrou o ano de 2011 com um total de 19.336 assassinatos. O país de mais de 29 milhões de habitantes é dono de uma das maiores taxas de homicídio do mundo: 67 por cada 100 mil habitantes, ultrapassando a média dos anos mais violentos da Guerra do Iraque (2003-2011), de 64,9 por cada 100 mil entre 2004 e 2007.

As mais de 19 mil vítimas fatais reforçam uma questão que ocupa o primeiro lugar na lista de preocupações dos venezuelanos: a falta de segurança pública. A avaliação é do Observatório Venezuelano da Violência, principal fonte de índices sobre segurança pública no país desde que o Instituto Nacional de Estatísticas (INE) deixou de divulgar os números, em 2004. Em 2010, o governo chavista proibiu os jornais de publicar fotos de violência.

“Posso fazer uma interpretação, mas a explicação sobre o porquê disso quem deve dar é o governo”, disse o sociólogo Roberto Briceño-León, diretor da ONG. Ele contou que a comparação entre o número de homicídios em 1998, antes de o atual governo assumir, em relação a 2003 mostra que o índice mais que duplicou. Foram 4.550 assassinatos no ano anterior à posse de Chávez contra 11.342 homicídios cinco anos depois. “O governo decidiu - não apenas em relação à segurança pública, mas como procedimento geral - que a melhor maneira é não dar informações. É a política do avestruz, de se esconder”, avaliou ao iG.

Para o sociólogo que leciona na Universidade Central da Venezuela, o governo é diretamente responsável pelo aumento da violência por não reprimir os infratores – de cada 100 homicídios, 92 não acabam em detenção – e por ter levado a uma crise institucional dos órgãos. “O governo quer aparecer como revolucionário, para quem pouco importam as leis e normas. Além disso, a divisão e polarização política no país contribuem para isso”, ressaltou.

O processo, observou, tem se intensificado com mensagens simbólicas do próprio presidente Hugo Chávez para a população. “O que quer dizer a fala do presidente de que a revolução não está desarmada? No mínimo, que seus partidários estão armados”, questionou, ao lembrar também do anúncio de Chávez sobre a criação de um comitê antigolpe cívico e militar no país. “O governo faz apologia à violência e há anos elogia a guerrilha. Lembremos o minuto de silêncio feito para Raúl Reyes (ex-líder das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e a construção de um monumento para Manuel Marulanda (líder do grupo, morto em 2008) em Caracas.”

Diplomatas

Ao lado dos homicídios, configuram no topo dos principais crimes do país assaltos e sequestros. ”Os sequestros formalmente reportados passaram de 50 em 1998 para 13 mil em 2011, mas uma pesquisa encomendada pelo governo ao INE e não divulgada mostrou que 16 mil haviam sido sequestradas em2010”, afirmou Briceño-León.

Em janeiro, o embaixador mexicano Carlos Pujalte e sua mulher foram sequestrados na capital e liberados após duas horas em uma estrada após pagarem quantia não divulgada. Três meses depois, a casa do mesmo diplomata foi assaltada por criminosos que teriam levado cerca de US$ 40 mil (aproximadamente R$ 73 mil). Também em abril, o adido comercial e conselheiro da Embaixada da Costa Rica em Caracas, Guillermo Cholele, foi vítima de sequestro na capital caraquenha.

A Embaixada do México em Caracas admitiu estar melhorando a segurança de seus funcionários, mas não quis dar outras informações. “Obviamente tomamos novas medidas depois do sequestro, mas não podemos revelá-las”, explicou a assessoria.

Oficialmente, a Embaixada do Brasil contou estar em processo de avaliação dos “procedimentos de segurança para averiguar se será necessário ou não aumentá-la”, mas disse não estar autorizada a divulgar detalhes. Um funcionário da representação diplomática em Caracas, no entanto, contou que há dois meses a embaixada recebeu um perito para explicar a situação da violência no país, alertar para as regiões mais perigosas e dar dicas do que fazer para se proteger.

O Consulado-Geral do Brasil em Caracas anunciou que publicará em seu site instruções de segurança para brasileiros que chegam pelo Aeroporto Internacional Simón Bolívar ou para aqueles que cruzam a fronteira do país através de Roraima. Enquanto no aeroporto sequestros relâmpagos feitos por falsos taxistas são comuns, criminosos se fazem passar por policiais e exigem propina de turistas na fronteira.

Procuradas pelo iG, empresas brasileiras que atuam na Venezuela, como Odebrecht e Queiroz Galvão, não quiseram se pronunciar a respeito do tema. A AmBev, que tem parceria com uma cervejaria local, disse não ter nenhuma preocupação especial em relação à segurança no país.

Em janeiro, um grupo de 30 turistas brasileiros foi assaltado na Ilha Margarita, um dos principais destinos turísticos do país. Morador da ilha de cerca de 400 mil habitantes, o professor de biologia Pablo Lacabana contou que a violência aumentou por lá, especialmente depois das chuvas de dezembro de 2010 - que desalojaram 130 mil venezuelanos e deixaram mais de 30 mortos -, quando o governo enviou desalojados da favela de La Guaira para Margarita. “As autoridades deveriam encontrar uma maneira de conter esse aumento, mas não o fazem”, lamentou.

Costumes

Segundo o Observatório da Violência, as pessoas hoje têm medo em suas casas, nas ruas e no transporte público. Uma pesquisa feita no fim de 2011 pelo instituto mostrou que 84% dos entrevistados tinham medo de sofrer assalto ou agressão no metrô ou ônibus. “Há inibição, as pessoas passam a não sair mais de casa, especialmente à noite”, observou Briceño-León. “A violência não acaba apenas com vidas, mas também com a liberdade de uma sociedade.”

Dados do Observatório Venezuelano da Violência mostram número de homicídios:

Tendo de enfrentar a rotina diária de pegar o metrô todos os dias para ir à universidade, a estudante de sociologia Lucy Costa, 22 anos, morre de medo de ser assaltada. “Sou paranoica”, contou ao mostrar o celular escondido na cintura, dentro da calça. “A gente escuta tanta coisa que acabei ficando assim. Não é apenas o medo de te roubarem algo, mas também de te tirarem a vida.”

Alguns, no entanto, veem exagero em tanto receio ao andar nas ruas. “Sempre houve violência na Venezuela”, disse a aposentada Clara Faridez Ribas, 61 anos. Segundo a ex-operária da indústria têxtil, em governos anteriores ao de Chávez a situação era “ainda pior”. “Havia massacre e as autoridades os justificavam dizendo que eram contra guerrilheiros.”

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Autoridades vêm sendo pressionadas para trazer resultados positivos em um ano de eleição presidencial, marcada pela volta da oposição e pelo debilitado estado de saúde de Chávez. No início de abril, o ministro de Interior e Justiça venezuelano, Tareck El Aissami, anunciou a criação de duas novas instituições para combater a onda de criminalidade: uma companhia de serviços de segurança, que agrupará servidores públicos e privados, e um centro nacional de segurança, que coletará dados para pesquisas sobre o tema. Além disso, o ministro acrescentou que o presidente deve lançar em breve uma de suas missões (programas sociais) voltadas para segurança pública.

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Algumas ONGs, como a Fundação para o Desenvolvimento Humano em Harmonia com o Meio Ambiente, também lançaram iniciativas para prevenir crimes. O programa Alerta Vizinho tem como objetivo formar redes de vigilância em comunidades carentes de todas as regiões de Caracas. A organização também levará o programa Pratiquemos Valores Para Sermos Melhores para áreas de alto risco da capital.

Briceño-León, entretanto, contesta paliativos. “Essas coisas não adiantarão até que o governo despolitize a política de segurança. O povo não quer uma polícia socialista ou anti-imperialista, mas sim uma que cumpra a lei e proteja os venezuelanos, independentemente de sua orientação política”, concluiu.

* A repórter viajou a convite do Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela para o Programa de Acompanhamento Internacional das Primárias da Oposição


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