O laudo da reconstituição do assassinato do zelador Jezi de Souza contesta a versão do principal acusado pelo crime para a morte do idoso, ocorrida em maio. O G1 teve acesso ao documento, concluído em setembro pela perícia de São Paulo. Ele é baseado nas versões do casal de moradores Eduardo e Ieda Martins, que está preso pelo homicídio do funcionário, e de mais três testemunhas. Um perito aponta dúvidas sobre a suposta briga entre a vítima e o agressor e o local do esquartejamento, relatados pelo publicitário.
Durante a reconstituição, Eduardo quis mostrar que a morte de Jezi não foi premeditada e ocorreu acidentalmente após briga entre eles em um prédio em São Paulo. Ele contou que o zelador bateu a cabeça e morreu. Depois, colocou o corpo em uma mala e levou ao litoral, onde o esquartejou.
A versão do publicitário e de sua mulher foi registrada em 337 fotos na reconstituição. Elas ajudam a mostrar como o idoso pode ter morrido no edifício onde trabalhava na Zona Norte da capital e depois como seu corpo foi levado dentro de uma mala para Praia Grande, onde o publicitário conta ter usado serrote e faca para cortá-lo em 17 partes e queimá-lo em uma churrasqueira.
O laudo, no entanto, aponta a possibilidade dessa briga entre o publicitário e o zelador não ter ocorrido. O motivo é que uma vizinha do 11º andar disse ter escutado gritos e que, quando foi olhar no olho mágico, notou Eduardo fechando a porta. Ela não viu Jezi e nem a confusão representada pelo acusado na reconstituição.
A perícia também duvida que o corpo de Jezi possa ter cabido inteiro dentro da mala, como contou Eduardo. Um boneco, menor que o zelador, não coube na simulação feita pela perícia. No documento é cogitada a hipótese de a vítima ter sido esquartejada no apartamento para caber na mala. O publicitário alegou que o esquartejamento ocorreu somente na casa de praia.
Jezi foi visto pela última vez no dia 30 de maio no condomínio de São Paulo. O que restou de seu corpo foi achado por policiais em 2 de junho no litoral, onde Eduardo foi preso.
Detalhes da versão: briga
Na reconstituição feita a partir da versão de Eduardo, a perícia colocou fotos com legendas informando que o publicitário alegou que, no final de maio, foi colocar o lixo para fora do apartamento, quando Jezi ameaçou matar seu filho e ele partiu para cima do funcionário. Um policial representou o empregado.
“Se encostar a mão em mim eu pego seu menino, se encostar em mim eu mato seu menino”, teria dito Jezi, segundo Eduardo. Nas fotos, o publicitário segurou o policial que fazia o papel do zelador, e o empurrou sete vezes contra a parede, a porta do apartamento vizinho e um extintor. Por último, os dois caíram no hall do seu apartamento, com o publicitário sobre o zelador.
Eduardo contou que, na sequência, o idoso bateu a cabeça no piso e morreu. O publicitário disse ter “ouvido o impacto da cabeça” de Jezi “contra o piso do corredor”. Ao notar que o zelador não respirava, ele decidiu livrar-se do corpo, colocando-o dentro de uma mala de viagem. Depois a pôs no carro e a levou a uma casa no litoral. Lá, no banheiro, usou serrote e faca para esquartejar o cadáver. Em seguida, queimou as partes e a mala na churrasqueira.
Aos peritos, Eduardo falou que vomitou seis vezes durante o tempo em que tirou o corpo de Jezi da mala e começou a desmembrá-lo. Em dado momento, esfaqueou o peito do zelador porque “ouvia do corpo do cadáver um barulho semelhante a balão de gás”.
Como os órgãos caíram todos no piso, ele disse ter usado a mesma faca para separá-los. Os restos de Jezi foram encontrados pela polícia no início de junho, no litoral paulista. Eduardo acabou pego em flagrante.
Durante sua participação na reprodução, o publicitário inocentou a esposa. Admitiu que ela o ajudou a colocar a mala no carro, mas, segundo ele, Ieda não sabia que ali dentro estava o corpo de Jezi. À perícia, a advogada confirmou o que Eduardo disse e também negou o crime.
Peritos contestam publicitário
Nas considerações sobre o laudo, a perícia do Núcleo de Periciais em Crimes Contra a Pessoa do Instituto de Criminalística da Superintendência da Polícia Técnico-Científica (SPTC), escreve que a briga entre o publicitário e o zelador, mencionada por Eduardo, não ocorreu.
De acordo com um perito, uma vizinha levou um minuto, entre ter ouvido gritos de “ai, ai, ai” no 11º andar e ido ao olho mágico da sua porta ver Eduardo fechar o apartamento 111 dele. Segundo a perícia, o publicitário relatou que levou esse mesmo tempo entre a queda de Jezi e o fechamento de seu imóvel.
“O tempo em que o autor mede os sinais vitais da vítima com a porta aberta até o fechamento desta, é de cerca de um minuto”, escreve o perito. “Fica faltando o tempo em que o autor aborda a vítima e começam a discutir, seguido pela luta e posterior tombo dos dois sobre o piso, motivo pelo qual este relator acredita que esta abordagem, a discussão e a briga não ocorreram”.
Outro ponto foi questionado pelo relator do laudo. Para ele, o esquartejamento de Jezi começou no apartamento em São Paulo e não na casa de praia, como mencionou Eduardo. Segundo o especialista, durante a reconstituição o boneco que representou o zelador tinha menor estatura do que a vítima, mas mesmo assim não coube na mala.
“O boneco aqui representando o sr. Jezi é um pouco mais baixo que a vítima. Segundo demonstrado por Eduardo, a posição em que a vítima é colocada no interior da mata forrada com cobertor (...), observamos que somente o tronco e a bacia couberam em seu interior, ficando parte das pernas, pescoço e cabeça para fora da mala”, aponta o perito.
“Se o boneco (menor que a vítima) não coube na mala, possivelmente o cadáver (maior que o boneco) também não caberia, o que leva a considerar que a vítima fora previamente e parcialmente esquartejada em seu pescoço e/ou pés, fazendo com que, desta maneira, as partes seccionadas pudessem caber no interior da mala”, informa o laudo.
A perícia alega, no entanto, que é preciso considerar que o corpo humano é mais flexível do que um boneco. Por isso, o perito “sugere estudos sobre biomecânica forense no Instituto Médico Legal (IML).”
“Estudos que permitirão de forma técnica a possibilidade ou não do cadáver caber no interior da referida mala, sem prévio seccionamentos de seus membros (cabeça/ e ou pés)”, disse o especialista. Jezi tinha cerca de 1,65m e a mala "70 centímetros de comprimento por 47 centímetros de largura".
A causa da morte de Jezi ainda é desconhecida. O exame necroscópico aguarda os resultados de outros laudos complementares para tentar determinar o que matou o zelador aos 63 anos. Os testes ficaram comprometidos porque o corpo foi esquartejado e queimado.
Ieda
Na versão que deu à perícia, Ieda reforçou que não sabia que o corpo do zelador estava dentro da mala que ela ajudou a descer até a garagem, como mostraram câmeras de segurança do prédio. Apesar de o filho dela e de Eduardo ter ido ao apartamento e a casa de praia, onde os crimes ocorreram, ele não foi ouvido e nem participou da reconstituição.