Laudo questiona morte de zelador em São Paulo

Reprodução conta em 337 fotos a morte e esquartejamento de Jezi Souza. Casal Martins é acusado de matar idoso em maio em São Paulo.

fonte: Globo.com

Atualizado: Quinta-feira, 30 Outubro de 2014 as 9:33

O laudo da reconstituição do assassinato do zelador Jezi de Souza contesta a versão do principal acusado pelo crime para a morte do idoso, ocorrida em maio. O G1 teve acesso ao documento, concluído em setembro pela perícia de São Paulo. Ele é baseado nas versões do casal de moradores Eduardo e Ieda Martins, que está preso pelo homicídio do funcionário, e de mais três testemunhas. Um perito aponta dúvidas sobre a suposta briga entre a vítima e o agressor e o local do esquartejamento, relatados pelo publicitário.

Durante a reconstituição, Eduardo quis mostrar que a morte de Jezi não foi premeditada e ocorreu acidentalmente após briga entre eles em um prédio em São Paulo. Ele contou que o zelador bateu a cabeça e morreu. Depois, colocou o corpo em uma mala e levou ao litoral, onde o esquartejou.

A versão do publicitário e de sua mulher foi registrada em 337 fotos na reconstituição. Elas ajudam a mostrar como o idoso pode ter morrido no edifício onde trabalhava na Zona Norte da capital e depois como seu corpo foi levado dentro de uma mala para Praia Grande, onde o publicitário conta ter usado serrote e faca para cortá-lo em 17 partes e queimá-lo em uma churrasqueira.

O laudo, no entanto, aponta a possibilidade dessa briga entre o publicitário e o zelador não ter ocorrido. O motivo é que uma vizinha do 11º andar disse ter escutado gritos e que, quando foi olhar no olho mágico, notou Eduardo fechando a porta. Ela não viu Jezi e nem a confusão representada pelo acusado na reconstituição.

A perícia também duvida que o corpo de Jezi possa ter cabido inteiro dentro da mala, como contou Eduardo. Um boneco, menor que o zelador, não coube na simulação feita pela perícia. No documento é cogitada a hipótese de a vítima ter sido esquartejada no apartamento para caber na mala. O publicitário alegou que o esquartejamento ocorreu somente na casa de praia.

Eduardo falou ainda à perícia que agiu sozinho e que sua mulher não sabia de nada. A advogada Ieda confirmou o que o marido relatou quando participou da reconstituição.

Jezi foi visto pela última vez no dia 30 de maio no condomínio de São Paulo. O que restou de seu corpo foi achado por policiais em 2 de junho no litoral, onde Eduardo foi preso.

Detalhes da versão: briga
Na reconstituição feita a partir da versão de Eduardo, a perícia colocou fotos com legendas informando que o publicitário alegou que, no final de maio, foi colocar o lixo para fora do apartamento, quando Jezi ameaçou matar seu filho e ele partiu para cima do funcionário. Um policial representou o empregado.

“Se encostar a mão em mim eu pego seu menino, se encostar em mim eu mato seu menino”, teria dito Jezi, segundo Eduardo. Nas fotos, o publicitário segurou o policial que fazia o papel do zelador, e o empurrou sete vezes contra a parede, a porta do apartamento vizinho e um extintor. Por último, os dois caíram no hall do seu apartamento, com o publicitário sobre o zelador.

Eduardo contou que, na sequência, o idoso bateu a cabeça no piso e morreu. O publicitário disse ter “ouvido o impacto da cabeça” de Jezi “contra o piso do corredor”. Ao notar que o zelador não respirava, ele decidiu livrar-se do corpo, colocando-o dentro de uma mala de viagem. Depois a pôs no carro e a levou a uma casa no litoral. Lá, no banheiro, usou serrote e faca para esquartejar o cadáver. Em seguida, queimou as partes e a mala na churrasqueira.

Aos peritos, Eduardo falou que vomitou seis vezes durante o tempo em que tirou o corpo de Jezi da mala e começou a desmembrá-lo. Em dado momento, esfaqueou o peito do zelador porque “ouvia do corpo do cadáver um barulho semelhante a balão de gás”.

Como os órgãos caíram todos no piso, ele disse ter usado a mesma faca para separá-los. Os restos de Jezi foram encontrados pela polícia no início de junho, no litoral paulista. Eduardo acabou pego em flagrante.

Durante sua participação na reprodução, o publicitário inocentou a esposa. Admitiu que ela o ajudou a colocar a mala no carro, mas, segundo ele, Ieda não sabia que ali dentro estava o corpo de Jezi. À perícia, a advogada confirmou o que Eduardo disse e também negou o crime.

Peritos contestam publicitário
Nas considerações sobre o laudo, a perícia do Núcleo de Periciais em Crimes Contra a Pessoa do Instituto de Criminalística da Superintendência da Polícia Técnico-Científica (SPTC), escreve que a briga entre o publicitário e o zelador, mencionada por Eduardo, não ocorreu.

De acordo com um perito, uma vizinha levou um minuto, entre ter ouvido gritos de “ai, ai, ai” no 11º andar e ido ao olho mágico da sua porta ver Eduardo fechar o apartamento 111 dele. Segundo a perícia, o publicitário relatou que levou esse mesmo tempo entre a queda de Jezi e o fechamento de seu imóvel.

“O tempo em que o autor mede os sinais vitais da vítima com a porta aberta até o fechamento desta, é de cerca de um minuto”, escreve o perito. “Fica faltando o tempo em que o autor aborda a vítima e começam a discutir, seguido pela luta e posterior tombo dos dois sobre o piso, motivo pelo qual este relator acredita que esta abordagem, a discussão e a briga não ocorreram”.

Outro ponto foi questionado pelo relator do laudo. Para ele, o esquartejamento de Jezi começou no apartamento em São Paulo e não na casa de praia, como mencionou Eduardo. Segundo o especialista, durante a reconstituição o boneco que representou o zelador tinha menor estatura do que a vítima, mas mesmo assim não coube na mala.

“O boneco aqui representando o sr. Jezi é um pouco mais baixo que a vítima. Segundo demonstrado por Eduardo, a posição em que a vítima é colocada no interior da mata forrada com cobertor (...), observamos que somente o tronco e a bacia couberam em seu interior, ficando parte das pernas, pescoço e cabeça para fora da mala”, aponta o perito.

“Se o boneco (menor que a vítima) não coube na mala, possivelmente o cadáver (maior que o boneco) também não caberia, o que leva a considerar que a vítima fora previamente e parcialmente esquartejada em seu pescoço e/ou pés, fazendo com que, desta maneira, as partes seccionadas pudessem caber no interior da mala”, informa o laudo.

A perícia alega, no entanto, que é preciso considerar que o corpo humano é mais flexível do que um boneco. Por isso, o perito “sugere estudos sobre biomecânica forense no Instituto Médico Legal (IML).”

“Estudos que permitirão de forma técnica a possibilidade ou não do cadáver caber no interior da referida mala, sem prévio seccionamentos de seus membros (cabeça/ e ou pés)”, disse o especialista. Jezi tinha cerca de 1,65m e a mala "70 centímetros de comprimento por 47 centímetros de largura".

A causa da morte de Jezi ainda é desconhecida. O exame necroscópico aguarda os resultados de outros laudos complementares para tentar determinar o que matou o zelador aos 63 anos. Os testes ficaram comprometidos porque o corpo foi esquartejado e queimado.

Ieda
Na versão que deu à perícia, Ieda reforçou que não sabia que o corpo do zelador estava dentro da mala que ela ajudou a descer até a garagem, como mostraram câmeras de segurança do prédio. Apesar de o filho dela e de Eduardo ter ido ao apartamento e a casa de praia, onde os crimes ocorreram, ele não foi ouvido e nem participou da reconstituição.

Eduardo tem 47 anos, e sua mulher, Ieda, 42. O casal está preso à espera de um eventual julgamento. O publicitário responde por homicídio doloso, no qual há a intenção de matar; ocultação de cadáver; falsificação de documento e porte ilegal de arma. Ieda é acusada de homicídio, ocultação e porte de arma.

O publicitário está preso no estado de São Paulo. A advogada está presa no Rio, onde foi acusada de matar o ex-marido José  Farias em 20 de dezembro de 2005.

O publicitário também é investigado pela Polícia Civil do Rio por suspeita de ajudar Ieda a assassinar José a tiros perto da empresa da vítima. Tanto Eduardo quanto Ieda negaram à polícia qualquer envolvimento neste crime. O caso do assassinato do empresário já havia sido encerrado sem apontar culpados, mas foi reaberto após a repercussão da morte do zelador.

A polícia fluminense decidiu reabrir o inquérito que apurava a morte de José após a polícia paulista apreender armas que estavam com o casal em São Paulo e em Praia Grande. Foi pedido um laudo de comparação balística entre elas e as balas que mataram o empresário no Rio. O resultado apontou que o cano de pistola 380 e silenciadores apreendidos no apartamento dos Martins foram usados para matar o ex-marido de Ieda.

Um revólver calibre 38, encontrado no litoral, também foi apreendido. Todo o armamento estava em situação irregular, pois o casal não tinha autorização para tê-lo.

 
 

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