
Tenho ouvido, lido e assistido às múltiplas opiniões de juristas e analistas políticos de ambos os espectros ideológicos. Gosto de considerar os dois lados, como deve ser o bom jornalismo. Ao fazer isso, o que mais me chamou a atenção, após filtrar essas opiniões em meio ao mar de textos, áudios e vídeos que acessei, foi a indignação, da maioria das opiniões, com uma sentença cuja dosimetria extrapola a própria prescrição legal.
Estou falando do julgamento da cabeleireira Débora Rodrigues, que recebeu a condenação a 14 anos de prisão em regime fechado por, supostamente, tentar abolir a democracia brasileira ao escrever a frase “Perdeu, mané” com um batom na estátua "A Justiça" em frente ao Supremo Tribunal Federal, em Brasília, nos atos do dia 8 de janeiro de 2023. Ela está presa preventivamente desde 17 de março do mesmo ano.
Ouvi de alguém: “Se a democracia brasileira pode cair com um batom, parece que ela é bastante frágil.”
A estátua "A Justiça" e Débora Rodrigues. (Foto: Reprodução/R7)
Mas quem é Débora? Como já sabemos, profissionalmente, ela é uma cabeleireira, uma profissional da beleza. Talvez isso nos ajude a entender que a "arma" que carrega em sua bolsa é um batom, um símbolo de feminilidade e forma de se expressar.
Além de ser cabeleireira, Débora é filha, irmã, esposa e mãe de duas crianças. Essa condição tem levado operadores do Direito a invocarem um benefício previsto em lei, que possibilita às mães de menores de 12 anos a cumprirem pena em regime domiciliar. Essa medida busca evitar que os filhos sejam privados da convivência com a mãe em uma etapa crucial para o desenvolvimento infantil.
Débora também é cristã, membro da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Sua irmã, Cláudia Silva Rodrigues, que é técnica de enfermagem, declarou que só “um milagre” a ajudaria: “Diante das condenações dadas às pessoas que foram julgadas até agora, somente um milagre pode ajudar a Débora.”
Durante minha apuração sobre as diversas opiniões do caso, chamou minha atenção um vídeo gravado por Rodrigo Silva. Conhecido por se manifestar apenas em sua área de conhecimento, como arqueólogo, pastor e professor da Bíblia, desta vez ele rompeu com esse padrão, expressando sua indignação diante da pena de 14 anos imposta a Débora.
“Seria covardia ficar calado”, ele disse, explicando que “este vídeo não tem nenhuma intenção ideológica ou política, então não pensem que esse é o objetivo das minhas palavras. Também não há qualquer endosso a atos de depredação de patrimônio público. A própria Débora já se arrependeu inicialmente, mas, pensando no ser humano, naquela mulher, mãe arrependida que está ali agora, acredito que posso vir a público, de maneira singela, e convocar vocês para uma corrente de oração.”
E continuou seu pedido: “Por favor, orem pela Débora. Não estou convocando ninguém para manifestações, revoluções, pegar em armas ou queimar pneus em praça pública. Minha convocação é por uma oração, porque a oração tem poder”.
E cita o livro de Eclesiastes, dizendo que “o objetivo de tudo é que tenhamos temor a Deus e guardemos Seus mandamentos, pois Ele trará a juízo todas as obras, até aquelas que estão escondidas, quer sejam boas, quer sejam más. Vamos orar pela Débora. Ela precisa de nossa solidariedade, nosso cristianismo e nossa demonstração de piedade cristã.”
Débora Rodrigue e filhos na igreja. (Foto: Arquivo pessoal)
O pastor Josué Gonçalves, líder da Igreja Família Debaixo da Graça, conhecido por se concentrar em temas relacionados a casamento, família e relacionamentos conjugais, abriu uma exceção e saiu de sua área habitual para expressar sua indignação sobre o caso de Débora.
Ele escreveu: “Se essa mulher, com um gesto impulsivo, é considerada uma ameaça maior do que criminosos armados, traficantes, corruptos e saqueadores que seguem livres e impunes, então nos encontramos diante de uma alarmante inversão de valores. Quando aqueles que verdadeiramente ameaçam a sociedade permanecem confortavelmente à margem da lei, enquanto cidadãos comuns são punidos com rigor desproporcional, resta-nos questionar o rumo de nossa nação.”
Assim como Débora utilizou um batom para, supostamente, expressar sua indignação com os rumos da política brasileira e com o sistema judiciário, esse mesmo batom, agora considerado uma "arma", tornou-se motivo de indignação entre aqueles que questionam a desproporcionalidade de sua pena.
O julgamento da cabeleireira Débora Rodrigues ainda está em andamento, pois houve um pedido de vistas do ministro Luiz Fux, membro da Primeira Turma do STF, visando reavaliar não apenas a dosimetria da pena, mas também o contexto e as circunstâncias dos atos atribuídos a Débora.
Adriana Bernardo (@adrianammbernardo) é jornalista, escritora e idealizadora do grupo feminino cristão “Amigas de Deus”.
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