Cartões-postais são uma forma de comunicação criada para encantar. Quem os envia deseja compartilhar suas viagens ou estadias com pessoas do seu círculo de amizade ou afetivo.
Geralmente, eles apresentam imagens de lugares atrativos, acompanhadas de frases cuidadosamente escolhidas para despertar interesse. Em essência, funcionam como propaganda – uma maneira de mostrar apenas o que é bonito, agradável e digno de admiração.
Esse tipo de comunicação é tão eficaz que até países inteiros a utilizam para moldar sua reputação diante do mundo. A Coreia do Norte, por exemplo, enfrenta índices alarmantes de pobreza, mas os poucos turistas autorizados a entrar só podem visitar locais “postais” – ambientes monitorados, cuidadosamente preparados para passar uma impressão positiva.
O mesmo ocorre em Cuba, onde os visitantes são direcionados a pontos turísticos selecionados, sem contato real com a dura rotina do povo sob o regime comunista, mergulhado em profunda pobreza.
Outros regimes seguem a mesma estratégia: exibem o que convém, ocultando a realidade.
Essa lógica não se restringe a nações. Muitas famílias e pessoas conhecidas também constroem sua “versão postal” nas redes sociais.
Postam fotos de viagens, jantares felizes, momentos perfeitos, como se fossem imunes a doenças, crises conjugais ou conflitos familiares.
A publicidade cunhou até um termo para isso: a “família-margarina”, aquela imagem artificialmente perfeita que não corresponde à vida real.
Mas a Bíblia não é um cartão-postal. Seu Autor, Deus, não faz propaganda para impressionar. Ao contrário, revela a vida como ela é: com virtudes e falhas, bênçãos e tragédias.
Homens e mulheres aparecem em sua nudez existencial, suas fraquezas morais, com acertos que inspiram e erros que servem de alerta.
Davi, por exemplo, não foi retratado apenas como o rei-poeta, homem segundo o coração de Deus, mas também como alguém que usou seu poder para tomar a esposa de um de seus soldados mais fiéis, mandando-o à morte.
Sara, esposa de Abraão, entregou sua serva Hagar para se deitar com o marido, na tentativa de “ajudar” Deus a cumprir a promessa de um filho. O resultado foi um conflito entre povos, cujas consequências se estendem até hoje.
Pedro, um dos mais próximos discípulos de Jesus, negou conhecer o Mestre três vezes em uma noite, enquanto estava tomado pelo medo.
E Tomé, que também caminhou lado a lado com Cristo, só acreditou em sua ressurreição depois de tocar as feridas em suas mãos.
O próprio Paulo, que mais tarde se tornaria o grande doutrinador da Igreja Cristã, não começou sua trajetória como exemplo de virtude. Pelo contrário: ele aprovou a morte por apedrejamento de Estêvão, o jovem evangelista que foi um dos primeiros mártires da fé.
Além disso, era um perseguidor implacável dos seguidores de Jesus, munido de cartas que lhe davam autoridade para prendê-los e destruí-los. Sua jornada de ódio só foi interrompida quando, a caminho de Damasco, teve um encontro transformador com o Senhor, que mudou para sempre a sua história.
Esses relatos não foram escondidos, mas registrados para mostrar que mesmo os mais próximos de Deus tiveram fraquezas profundas.
A Escritura não mascara a realidade: mostra juízes covardes, profetas desanimados, reis idólatras, discípulos medrosos e igrejas em crise. Ao mesmo tempo, mostra a graça que alcança, restaura e transforma essas pessoas comuns em testemunhas extraordinárias do amor de Deus.
Por isso, ao abrirmos a Bíblia, não encontramos uma vitrine de perfeição, mas um espelho da condição humana e, sobretudo, um retrato fiel da ação de Deus em meio à imperfeição. A Palavra não é um cartão-postal para enfeitar a estante. É um convite à verdade, à transformação e à vida plena em Cristo.
Adriana Bernardo (@adrianammbernardo) é jornalista, escritora e idealizadora do grupo feminino cristão “Amigas de Deus”. Professora de Teologia e Aconselhamento. Casada com Bene Bernardo, é mãe de Raphael, Aline e Guilherme, e avó de Raquel, Daniel e Júlia.
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