
Em 2025, a Reforma Protestante completará 508 anos. No dia 31 de outubro de 1517, um monge agostiniano chamado Martinho Lutero fixou nas portas do castelo de Wittenberg as 95 teses, nas quais denunciava os excessos e desvios da Igreja Católica de sua época.
Embora Martinho Lutero seja o nome mais conhecido e uma das figuras mais influentes da Reforma, esse movimento não foi feito apenas por homens. Muitas mulheres também fizeram parte dessa história.
Por séculos, as vozes femininas foram silenciadas, como ocorreu em grande parte da história do cristianismo. No entanto, as mulheres estiveram presentes e atuantes: entre as nobres dos palácios, as esposas dos reformadores, as escritoras apologéticas, as rainhas e as mártires na Inglaterra. Elas foram fundamentais na luta pela liberdade religiosa, na proclamação da fé em Deus unicamente e na preservação das Escrituras Sagradas, contribuindo para que os ensinamentos dos pais da Reforma se espalhassem e se solidificassem.
A série “Mulher Cristã” busca, neste mês em que celebramos um dos marcos mais importantes da história do cristianismo, resgatar e honrar a memória das mulheres que ensinaram, evangelizaram e cuidaram dos feridos com excelência, fidelidade e fé.
Leal à sua consciência, ao seu povo e aos seus filhos, Joana de Albret, (1528-1572) também conhecida como Joana de Navarra, nasceu em um período pós - reforma foi uma das mulheres mais notáveis e extraordinárias do século XVI. Herdeira de Henrique de Albret e Margarida de Navarra, governou o pequeno reino de Navarra com sabedoria, coragem e profunda fé cristã.
Em seus últimos dez anos de vida, Joana fundou uma Igreja Reformada em Béarn, província de Navarra, e tornou-se chefe política dos huguenotes durante a Terceira Guerra Religiosa na França. Naquele tempo, não houve mulher mais destemida, enfrentando guerras para defender não apenas o trono, mas também o direito de o povo ler a Bíblia e ouvir a Palavra de Deus em sua própria língua e pregada em francês, bearnês, basco ou outros dialetos de seus territórios.
Criada na França, longe dos pais, Joana cresceu sob a vigilância do rei Francisco I, seu tio, que desejava controlar seu futuro. Aos 12 anos, foi prometida em casamento ao duque de Cleves, um príncipe alemão, para atender interesses políticos. A jovem recusou com firmeza, dizendo que jamais se casaria com “um alemão rude e velho”, um ato de ousadia para uma menina de sua idade. Mais tarde, o casamento foi anulado, e aos 20 anos ela se casou com Antônio de Bourbon, duque de Vendôme, um homem de bravura e carisma, com quem teve o filho Henrique, futuro rei da França.
Embora vivesse em uma corte francesa dominada pelo catolicismo, Joana nunca escondeu sua fé. Orava publicamente e mantinha fidelidade à Palavra de Deus. Seu marido, no entanto, mudava de crença conforme seus interesses políticos. Após a morte do rei Henrique II, Joana assumiu a defesa de Navarra contra as ameaças externas e internas, mostrando-se uma líder sábia e estrategista.
Profissão de fé
Em 5 de dezembro de 1560, Joana fez profissão pública de fé reformada em Pau, a capital de Navarra. Passou, então, a promover a expansão do Evangelho, convidando reformadores e estudiosos como Teodoro de Beza e outros ministros calvinistas para pregar em suas terras. Fundou escolas, aboliu o catolicismo no território, distribuiu os bens da Igreja Romana aos pobres e mandou traduzir o Novo Testamento para a língua bearnesa, para que o povo pudesse lê-lo.
Mesmo enfrentando oposição de reis e inimigos poderosos — entre eles Catarina de Médici, sua grande adversária — Joana permaneceu firme na fé, sem jamais voltar atrás em sua decisão de servir a Cristo. Foi perseguida, ameaçada e traída, mas continuou sendo um exemplo de mulher piedosa, política sábia e cristã convicta.
Seu filho, Henrique de Navarra, criado sob sua orientação, mais tarde se tornaria Henrique IV da França, o rei que promulgou o Édito de Nantes (1598), concedendo liberdade religiosa aos protestantes — um legado direto da fé e do ensino de sua mãe.
Contudo, o feito mais notável e duradouro de Joana de Navarra foi a fundação de uma faculdade em La Rochelle, cidade que se tornaria conhecida como a “capital huguenote” da França. O local foi criado para ser um seminário teológico, com ênfase na piedade, na formação bíblica e no preparo de ministros fiéis ao Evangelho — um verdadeiro centro de formação espiritual e acadêmica.
Firme em Deus
Nos últimos anos de vida, Joana enfrentou graves problemas de saúde, provavelmente devido à tuberculose. Sua condição se agravou até que ficou acamada, suportando dores intensas por quatro dias. Mesmo debilitada, manteve a mente firme em Deus, pedindo aos ministros que a assistiam que orassem e lessem os Salmos ao seu redor.
Em seus momentos finais, fez uma confissão comovente de fé, dizendo:
“Nunca temi a morte, e não me atrevo a morrer fora da vontade de Deus. Apenas lamento deixar meu filho exposto a tantos perigos. No entanto, confio tudo isso nas mãos do Senhor.”
No dia 9 de junho de 1572, aos 44 anos, Joana partiu deste mundo com a Bíblia ao lado e o coração firmado nas promessas de Deus.
Rainha, reformadora e mulher de fé inabalável, Joana de Navarra foi uma das figuras femininas mais brilhantes e fortes da história.
Ela lutou pela liberdade de adorar a Cristo, liderou tropas, sustentou seu povo com coragem e ergueu sua voz quando muitas se calavam.
Nas batalhas espirituais e políticas, nunca deixou de tremular a bandeira do Reino de Deus.
Seu legado permanece vivo colocando-a em um lugar único na história, como exemplo de uma mulher que serviu com sabedoria, fidelidade e coragem, lembrando-nos de que a vocação divina das mulheres não se limita ao lar, mas se estende à atuação plena, sábia e assertiva no serviço do Reino de Deus.E a verdadeira força de uma rainha está em seu joelho dobrado e seu coração rendido ao Senhor.
Referências bibliográficas:
ALMEIDA, Rute Salviano; PINHEIRO, Jaqueline Souza. Reformadoras: mulheres que influenciaram a Reforma e ajudaram a mudar a Igreja e o mundo. Rio de Janeiro: Good Book; Thomas Nelson Brasil, 2021.
FONTES, Ediudson. Reforma Protestante e Pentecostalismo: a conexão dos 5 Solas e a Teologia Pentecostal. São Paulo: Reflexão, 2019.
Caroline Fontes (@caroline.fontes) é bacharel em Teologia, com pós-graduação em Ciências da Religião. Também é formada em Pedagogia pela UERJ e pós-graduada em Neuropsicopedagogia pela FAMEESP. Atualmente, é mestranda em Ciências da Religião pela UMESP. Diaconisa na Igreja Assembleia de Deus – Cidade Santa, organizou o livro devocional Chamadas para Florescer e idealizou o Clube de Leitura da Mulher Cristã – Enraizadas em Cristo. Reside no Rio de Janeiro, é casada com o Pr. Ediudson Fontes e mãe do Calebe Fontes.
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