A célebre frase da psicanalista Melanie Klein, "Quem come do fruto do conhecimento é sempre expulso de algum paraíso", ressoa como uma profunda reflexão sobre o paradoxo inerente ao desenvolvimento humano. Mais do que uma mera referência bíblica, a máxima encapsula a visão kleiniana da psique, na qual o avanço cognitivo e emocional está intrinsecamente ligado a uma perda: a da ignorância primordial, da unidade indiferenciada e das certezas absolutas que caracterizam os estados mentais mais primitivos. Defender que o conhecimento implica uma expulsão inevitável é reconhecer que o crescimento psíquico é um processo doloroso, porém necessário, de desidealização e confronto com a realidade complexa e ambivalente.
Essa "expulsão do paraíso" pode ser compreendida, em primeiro plano, através da teoria das posições kleinianas. O "paraíso" inicial refere-se à Posição Esquizo-Paranóide, vivida predominantemente nos primeiros meses de vida. Nesse estado, a mente infantil, incapaz de integrar experiências contraditórias, fragmenta o mundo e os objetos (inicialmente a mãe) em "bons" e "maus". O "seio bom" que alimenta e conforta é totalmente separado do "seio mau" que frustra e ausenta-se. Esse é um paraíso ilusório, mas necessário: uma organização binária que oferece certa segurança contra a sobrecarga de angústia. No entanto, o desenvolvimento – o "comer do fruto" do amadurecimento emocional e da percepção – leva à Posição Depressiva. Aqui, a criança começa a perceber que o objeto amado e o objeto odiado são um só. A mãe que gratifica é a mesma que frustra. Esse conhecimento é a expulsão: sai-se do paraíso da clivagem simples para ingressar no mundo turbulento da ambivalência, do luto pela onipotência perdida, da culpa pelos impulsos destrutivos dirigidos ao objeto agora amado. O paraíso da simplicidade é perdido para sempre, mas em troca ganha-se a capacidade de relações mais integrais e realistas.
Além do desenvolvimento individual, o conceito aplica-se de maneira contundente às esferas social e científica. Todo avanço do conhecimento humano representa uma ruptura com um estado anterior de "inocência" ou certeza dogmática. A revolução copernicana expulsou a humanidade do paraíso geocêntrico, onde era a obra-prima da criação no centro do universo. A teoria darwiniana expulsou-nos do paraíso de uma origem especial e divina, inserindo-nos na implacável teia da evolução natural. A psicanálise freudiana, da qual Klein é herdeira, expulsou-nos do paraíso da razão consciente, revelando um inconsciente pulsante e perturbador. Cada um desses frutos do conhecimento causou um profundo mal-estar, um desalojamento de nossa autoimagem gloriosa. O paraíso, nesses casos, é a crença confortável e não questionada; o conhecimento, seu fruto amargo e libertador, exige que habitemos um mundo mais amplo, complexo e menos acolhedor para o narcisismo humano.
Contrapontos poderiam argumentar que o conhecimento, longe de ser uma expulsão, é uma libertação emancipadora que conduz a paraísos mais elevados – o da razão, da autonomia, do progresso. Sem dúvida, a visão kleiniana não nega o valor do conhecimento e do crescimento. No entanto, sua genialidade reside em lembrar-nos que todo progresso genuíno tem um custo psíquico. A passagem da Posição Depressiva, embora dolorosa, é a base do amor, da reparação, da criatividade e da sabedoria. O paraíso perdido era, em essência, uma prisão de imaturidade. A expulsão não é um castigo final, mas um parto difícil para uma condição mais rica e verdadeira, ainda que marcada pela nostalgia do absoluto e pela luta perene contra a tendência a regredir para estados mentais mais primitivos (esquizoparanoides) em momentos de crise.
Portanto, a frase de Melanie Klein ilumina a condição humana como um êxodo contínuo. Comer do fruto do conhecimento – seja o do autoconhecimento emocional, seja o do conhecimento científico ou filosófico – é um ato irrevogável que dissolve os paraísos artificiais da ignorância, da onipotência e da simplicidade ilusória. A expulsão consequente não é um destino trágico, mas o preço inevitável e saudável de crescer. O verdadeiro paraíso, sugere Klein, não é aquele que se abandona, mas aquele que se constrói, com labor e dor, a partir da aceitação da realidade interna e externa em sua complexidade ambivalente. É no exílio do Éden infantil que se funda a possibilidade de uma maturidade autêntica, onde o conhecimento, mesmo que nos desaloje de confortos primários, nos concede a única morada verdadeiramente nossa: uma mente capaz de suportar a ambiguidade e, nela, encontrar significado.
Daniel Santos Ramos (@profdanielramos) é professor (Português/Inglês - SEE-MG, EJA/EM/EFII), colunista do Guia-me e professor de Teologia em diversos seminários. Possui Licenciatura em Letras (2024), Bacharelado/Mestrado em Teologia (2013/2015) e pós-graduação em Docência. Autor de 2 livros de Teologia, tem mais de 20 anos de experiência ministerial e é membro da Assembleia de Deus em BH.
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