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O drama da Igreja

A verdade a qualquer preço.

fonte: Guiame, Daniel Ramos

Atualizado: Quinta-feira, 27 Março de 2025 as 3:20

(Foto: Unsplash/Sixteen Miles Out)
(Foto: Unsplash/Sixteen Miles Out)

Essa é uma questão instigante porque a experiência e a percepção da Igreja são tão variadas quanto as pessoas que a compõem ou a observam. No entanto, pensando em aspectos que talvez recebam menos destaque na discussão pública ou mesmo dentro da própria comunidade da fé, aqui estão algumas coisas que talvez "nunca" ou "raramente" se digam sobre a Igreja:

Sobre a Complexidade e as Contradições Internas:

- A profunda ambivalência da fé vivida: Raramente se discute abertamente o quão difícil e cheio de dúvidas pode ser manter a fé dentro da Igreja. As lutas internas, os momentos de ceticismo, a dificuldade em conciliar a doutrina com a experiência pessoal, muitas vezes, permanecem silenciados por medo de julgamento ou por uma pressão implícita de manter uma fachada de fé inabalável.

- O peso da tradição e a dificuldade da mudança: Embora a tradição seja valorizada, a dificuldade real e o atrito gerado por tentativas de adaptação da Igreja a novas realidades culturais e sociais raramente são plenamente explorados em discussões públicas. As tensões entre o "sempre foi assim" e a necessidade de evolução muitas vezes ficam submersas.

- A verdadeira extensão da diversidade de pensamento: Mesmo dentro de denominações específicas, existe uma vasta gama de interpretações bíblicas, opiniões teológicas e visões sobre o papel da Igreja na sociedade. Essa diversidade interna, que pode ser uma força, muitas vezes é simplificada ou ignorada em prol de uma narrativa mais homogênea.

Sobre as Falhas e as Vulnerabilidades:

- O impacto duradouro do abuso de poder e da má conduta: Embora escândalos sejam noticiados, a profundidade do dano causado por abusos (sexuais, financeiros, emocionais, espirituais) e a longa jornada de cura para as vítimas raramente recebem a atenção e a discussão necessárias dentro da Igreja. O foco tende a ser nos perpetradores e nas consequências legais, e menos na restauração das vítimas e na prevenção futura.

- A luta silenciosa contra a saúde mental dentro da comunidade: A Igreja muitas vezes se apresenta como um lugar de cura, mas a realidade é que muitos membros lutam com problemas de saúde mental (depressão, ansiedade, etc.) que nem sempre são reconhecidos ou tratados adequadamente dentro do ambiente religioso. Pode haver um estigma ou uma falta de recursos para lidar com essas questões.

- As dificuldades financeiras e os sacrifícios silenciosos: Enquanto se fala sobre dízimos e ofertas, raramente se discute a real dificuldade financeira que muitas igrejas enfrentam, o peso que recai sobre poucos membros para manter a instituição funcionando e os sacrifícios silenciosos feitos por aqueles que dedicam tempo e recursos muitas vezes invisíveis.

Sobre a Relação com o "Mundo":

- A complexidade do engajamento com a cultura: A relação da Igreja com a cultura secular é multifacetada e cheia de nuances. Raramente se explora a fundo a dificuldade de equilibrar a necessidade de ser "sal e luz" no mundo com o risco de assimilação e perda de identidade. Os debates tendem a polarizar entre um isolamento completo e uma aceitação acrítica.

- O impacto das decisões políticas e sociais dos membros: As escolhas políticas e sociais dos membros da Igreja, que muitas vezes são diversas e até conflitantes, raramente são discutidas abertamente dentro do contexto da fé, evitando-se potenciais divisões, mas também perdendo oportunidades de diálogo e reflexão teológica sobre essas questões.

- A luta para manter a relevância para as novas gerações: Embora haja esforços, a dificuldade real em conectar a mensagem da Igreja com as necessidades, os valores e as formas de comunicação das novas gerações muitas vezes são subestimada ou abordada com soluções superficiais.

Sobre a Experiência Individual:

- A solidão dentro da comunidade: Paradoxalmente, mesmo em um ambiente comunitário como a Igreja, muitos indivíduos podem se

sentir solitários, não plenamente compreendidos ou incapazes de compartilhar suas verdadeiras lutas e dúvidas.

- A pressão para se encaixar em um "molde" espiritual: Existe, muitas vezes, uma pressão implícita para se conformar a um ideal de "bom cristão" que pode sufocar a autenticidade e impedir que as pessoas se sintam à vontade para serem vulneráveis e honestas sobre suas imperfeições.

- O cansaço e o "burnout" espiritual: A dedicação ao serviço na Igreja, embora louvável, pode levar ao esgotamento físico, emocional e espiritual, um aspecto que raramente é reconhecido ou abordado de forma preventiva.

É importante notar que essa "ausência" de discussão não é universal e varia muito entre diferentes igrejas e denominações. No entanto, esses são aspectos que, em geral, tendem a receber menos atenção na narrativa pública e, por vezes, até mesmo dentro da própria comunidade da fé, talvez por serem desconfortáveis, complexos ou desafiadores para as estruturas e as expectativas existentes. Abordar esses temas com honestidade e humildade poderia enriquecer a vida da Igreja e fortalecer sua capacidade de ser um espaço autêntico de graça, crescimento e transformação.

 

Daniel Ramos (@profdanielramos) é professor de teologia deste 2013 pela EBPS (Assembleia de Deus em Belo Horizonte). Graduado em Teologia pela PUC Minas (2013), pós-graduação em Gestão de Pessoas pela PUC Minas (2015), especialista em Docência em Letras e Práticas Pedagógicas pela FACULESTE (2023) e Licenciatura em Letras Português-Inglês pela UNICV (2024). Membro da Assembleia de Deus desde a infância, conferencista e autor do livro didático: Curso de Teologia Vida com Propósito (2024).

* O conteúdo do texto acima é uma colaboração voluntária, de total responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Portal Guiame.

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