Era o momento da oração. Depois de alguns complexos e dramáticos pedidos feitos por adultos, chegou a vez de uma garotinha. Com seus 5 aninhos, aproximou-se e objetivamente disse: Pastor, ora pelo meu chinelo novo. Ajoelhou-se e aguardou minha oração.
Nunca havia orado por um chinelo. Como aqueles filmes que as pessoas afirmam visualizar na imaginação, durante os frames de segundos antes de uma fatal batida de carro, naquela hora também vi um filme. Em instantes fotográficos comecei a lembrar quantas coisas eu nunca havia feito na vida e, no entanto, exercendo meu direito de tentar e viver a experiência da primeira vez, fiz. Fiz o que imaginava ser impossível para mim. Fiz coisas para as quais nunca havia recebido treinamento. Fiz o que devia e também o que não devia. Assim, várias primeiras vezes foram acontecendo.
Mas a menininha estava lá, seu coração estava lá, sua necessidade estava lá, ore pelo meu chinelo novo, é só o que peço e preciso. Sem nenhum engano, as maiores surpresas e ensinamentos que tive foram proporcionados por crianças. Crianças anulam formalidades, rituais, supérfluos e vão direto ao que interessa. Crianças elogiam e criticam com a mesma ênfase e naturalidade. Crianças surpreendem e, surpresas, muitas vezes, desestabilizam o mundo adulto com sua lógica de resultados que sempre têm de ser exatos, senão... Naquele momento, chinelo, somente chinelo, era o que importava.
Já orei pelas conquistas de muitas pessoas. Casa, carro, formatura, viagem, doutorado, casamento, bodas de prata e de ouro, nascimentos, mas, por um chinelo novo, seria a primeira vez. Nestes frames de segundos percebi meus ridículos sentimentos e, ao mesmo tempo, agradeci a Deus por enviar aquela criança para reafirmar, com pureza, simplicidade e humildade, a nobreza da fé.
Eu orei pelo chinelo novo da menininha. O mesmo sentimento de gratidão que toma o coração de um jovem ao conquistar seu primeiro carro, certamente invadiu o coração daquela criança. Assim como o jovem quer ser feliz com seu carro novo, a menina também quer ser feliz com seu chinelo novo. Assim como o jovem que pede uma oração de bênção e gratidão, reconhecendo o favor de Deus na sua conquista, a garotinha também reconhece que o chinelo novo é uma dádiva de Deus. Nessa perspectiva orei, com palavras que chegavam ao alcance dela, dividindo com ela a mesma emoção. Talvez até mais, por ver a gratidão e o reconhecimento num tão pequeno e novo coração.
A vida, infelizmente, tem a sutileza de tirar o brilho e a importância destes pequenos gestos. Com o passar dos anos nossas competências, habilidades e méritos passam a ser as únicas razões e, portanto, o centro das nossas conquistas. As pequenas conquistas, como simples chinelos, naturalmente acabamos por nem considerar, caindo numa egoísta seqüência racional: trabalhei, ganhei meu salário, mereci, conquistei, parabéns pra mim.
Vestir o chinelo da menininha pode ser um bom remédio para estes tempos de tanta técnica, regra e cálculo. Vamos abrir o coração para agradecer a vida, a saúde, o outro, a ajuda, a oportunidade. Tudo isso pode, quem sabe, trazer a tona as reservas de humildade que todos nós ainda preservamos e que, as pressões da vida cuidam de abafar e esconder. Todo dia, todos nós, temos nossos próprios tipos de chinelos novos para agradecer. Agradecer como crianças, habitantes com estadia garantida no reino dos céus.
Paz!
Pr. Edmilson Mendes
Edmilson Ferreira Mendes é teólogo. Atua profissionalmente há mais de 20 anos na área de Propaganda e Marketing. Voluntariamente, exerce o pastorado há mais de dez anos. Além de conferencista e preletor em vários eventos, também é escritor, autor de quatro livros: '"Adolescência Virtual", "Por que esta geração não acorda?", "Caminhos" e "Aliança".
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