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Como falar mais de uma língua com seus filhos

Três princípios foram importantes para a nossa jornada linguística.

fonte: Guiame, René Breuel

Atualizado: Terça-feira, 12 Março de 2024 as 2:20

(Foto: Unsplash/Towfiqu Barbhuiya)
(Foto: Unsplash/Towfiqu Barbhuiya)

Quando a minha esposa e eu conhecemos uma família que falava mais de uma língua com o seu filho, ficamos intrigados. Isso era possível? Seria saudável para os nossos filhos?

Naquela época, falávamos uma combinação bagunçada de português, inglês e italiano com os nossos filhos de um ano e três anos. Como missionários brasileiros em Roma, não tínhamos refletido muito sobre línguas e falávamos a primeira coisa que vinha na cabeça, especialmente durante discussões (das quais expressões irritadas em alemão por fim foram proibidas).

Conhecer aquela família nos encorajou a refletir sobre a nossa filosofia educacional e planejar o desenvolvimento linguístico dos nossos filhos. Decidimos que eu iria falar português com eles, a minha esposa inglês, e que falariam italiano na escola e em outros lugares.

Vantagens e desvantagens

Nos dez anos desde a nossa decisão, encontramos vários desafios. Os nossos filhos começaram a falar mais tarde do que as outras crianças. No jardim de infância, às vezes gaguejavam ou levavam alguns segundos para formular frases. Uma professora do ensino fundamental questionou a nossa abordagem e pediu que só falássemos italiano em casa. E nos sentimos tentados a desistir e voltar à bagunça linguística de antes.  

Mas persistimos, e com o tempo os benefícios superaram os desafios. O Pietro e o Matteo, agora com 13 e 12 anos, são fluentes nas três línguas, incluindo gírias e sotaques. Pedem para experimentar comidas étnicas e conhecer países estrangeiros. Adquiriram também um instinto de mediação em outras áreas da vida, assumindo papéis de liderança entre os amigos e ajudando crianças recém-chegadas em Roma a se ambientar.

Três princípios foram importantes para a nossa jornada linguística

- Consistência: as crianças precisam de estrutura e clareza, especialmente quando os pais inserem complexidade nas suas vidas. A minha esposa e eu fomos tentados várias vezes a misturar as línguas ou a agir de um jeito em casa e de outro em público. Tivemos que ser disciplinados e não bagunçar o desenvolvimento dos nossos filhos.

Se você está considerando falar mais de uma língua em casa, reflita sobre a abordagem que deseja tomar, procure a opinião de outros pais, consulte um logopedista – e mantenha o rumo. Esforços que logo acabam podem fazer mais mal que bem. A consistência no longo prazo transmite confiança, ajuda seus filhos a se sentirem seguros e faz o aprendizado de outras línguas algo que não é amedrontador.

- Naturalidade: decidimos que o aprendizado de línguas em casa não deveria ser algo pesado, mas uma parte orgânica da nossa rotina familiar. Outras famílias talvez queiram usar livros didáticos e conduzir aulas domésticas, mas nós preferimos deixar o ensino formal a professores externos. Por exemplo, na hora de dormir líamos livros nas línguas que estávamos transmitindo, enfatizando o nosso afeto e calor como pais e não pontos de gramática ou vocabulário.

Se você decidir falar mais de uma língua em casa, lembre que o seu principal papel é como pai ou mãe, não professor. Deixe que uma língua seja o canal através do qual você interage, ama e educa, e não o aspecto central do relacionamento com seus filhos.

- Graça: mais do que os detalhes de uma língua, as crianças têm que se sentir aceitas por quem são. No nosso caso, nossos filhos aprenderam melhor as línguas que receberam reforços externos – aprenderam o italiano na escola e assistem desenhos e vídeos online em inglês. Mas a língua-mãe dos pais, o português, é a língua que falam pior. Decidimos que isso não é um problema. Por enquanto, não precisam de um grande vocabulário para falar com os avós e os primos. Se um dia voltarmos ao Brasil, as prioridades podem mudar.

Falta de maestria, pronuncias erradas e levar mais tempo para expressar pensamentos fazem parte do pacote. Desse modo, transmitimos aos filhos que é tudo bem errar e recomeçar. A imperfeição – não a perfeição – é o objetivo. Como explico em Não É Fácil Ser Pai, uma educação saudável é cheia de graça.

Falar mais de uma língua em casa exigiu intencionalidade e disciplina, mas valeu a pena. Recentemente, o Matteo pediu para experimentar comida libanesa e o Pietro começou um canal no YouTube sobre a geografia e os países do mundo.

Percebi que a minha esposa e eu tínhamos transmitido mais do que habilidades linguísticas. Nossos filhos adquiriram uma visão da vida que é mais ampla do que as nossas tribos e diferenças culturais. Vivem em um mundo onde se sentem em casa.

René Breuel é um escritor brasileiro que mora em Roma, na Itália. Autor da obra Não é fácil ser pai: Como domar os leõezinhos, não chatear sua esposa e recuperar (um pouco) a sanidade depois da paternidade, possui mestrado em Escrita Criativa pela Universidade de Oxford, no Reino Unido, e em Teologia pelo Regent College, no Canadá. É casado com Sarah e pai de dois meninos, Pietro e Matteo.

* O conteúdo do texto acima é uma colaboração voluntária, de total responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Portal Guiame.

Leia o artigo anterior: Espiritualidade Encarnada para um Mundo Pós-Cristão

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