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Por que os pais modernos são tão competitivos?

Cultivar o contentamento em um mundo que produz filhos ansiosos.

fonte: Guiame, René Breuel

Atualizado: Quarta-feira, 26 Junho de 2024 as 9:31

(Foto: Pixabay)
(Foto: Pixabay)

Uma das caraterísticas mais peculiares da parentalidade moderna é a competividade que os pais sentem que devem instigar nos seus filhos. A minha esposa e eu falamos três línguas em casa, levamos nosso filho de um ano a aulas de música e frequentamos um grupo de suporte para mães (bom, eu fui uma vez).

Como é que acabamos desse jeito? Tudo começou quando um pai me contou que seu filho assistia aos filmes do Baby Einstein. Temos que pressionar nossos filhos a se tornarem gênios já quando são bebês?, pensei. Mas minha indignação acerca daquela brilhante série não me poupou de alugar uma cópia do Baby Van Gogh, caso pudesse dar uma turbinada no meu filho. Não gostaria que ele ficasse atrás de bebês que ouvem as melodias de Bach, não é verdade? Coloquei o Pietro na frente da tevê, mas as cores que se moviam pela tela não capturaram sua atenção. Convenci-me de que era porque o Pietro já era avançado demais.

Aí, numa festinha de aniversário, um pai me contou que levava o filho de 5 anos para lutas de MMA. “Eles têm ótimos valores”, exclamou, enquanto comíamos sanduíches e batatinhas. “Quase se matam, mas fora do ringue se cumprimentam e são muito respeitosos.” Lembro-me de ter pensado: Talvez não seja o melhor lugar para levar um filho de 5 anos, muito embora, exteriormente, não tenha me oposto à sua filosofia educacional e segui comendo minhas batatinhas.

Mas o nosso grande tentativo de turbinar o nosso filho aconteceu quando encontramos uma mãe no parquinho, que nos falou de uma piscina que oferecia aulas de natação para bebês. Achei um conceito novo, mas fascinante. Os bebês podem realmente aprender a nadar? Decidimos conferir. Digamos que não eram aulas de verdade. Eram cinquenta minutos em que os pais podiam levar seus bebês à piscina e ter um instrutor por perto para contar piadinhas.

Apesar da falta de rigor educacional, as aulas de natação do Pietro se tornaram nosso ritual do sábado de manhã. Chamá-las de aulas ajudou a conferir ares de seriedade à coisa. Pois eram, logo descobrimos, um trabalhão. Acordar, fazer a malinha, dirigir, vestir-se para a piscina, molhar-se, tomar um chuveiro, vestir-se de novo, dirigir para casa e parar em algum lugar porque o Pietro e nós estávamos famintos já às 10h45 da manhã — tudo isso exigia disciplina. Mais de uma vez fomos tentados a pular um sábado. Mas a palavra aula nos persuadia, com todos os benefícios que os pais pensam que estão dando a seus filhos — tonificação muscular, desenvolvimento neural e a disciplina de levantar pela manhã, mesmo que se esteja desempregado e todas as células do corpo queiram desistir da vida — quando, na verdade, era só um grupo de bebês brincando na piscina. Era um investimento em nosso filho, dizíamos a nós mesmos. Neste mundo competitivo, é preciso começar cedo. Quem sabe quando os chineses começam a levar seus filhos à piscina?

Aos olhos do Pietro, todavia, tudo era mágico e divertido. Ele batia na água com suas mãozinhas e gritava de alegria. Eu o segurava de barriga para baixo, para que pudesse flutuar e descobrir as bordas e os objetos que flutuavam. Outros bebês gostavam das boias ou dos bichinhos de plástico, mas o Pietro queria colecionar as bolinhas coloridas. Ele apontava para uma, e eu o levava ali para ele abraçar a bola com seus bracinhos. Em seguida buscávamos outras bolas, até que seus braços transbordavam. Naquele ponto, cada bola que tentava adicionar fazia com que uma outra bola caísse. Notei que havia ali uma lição de vida, sobre aprender o que abraçar e a falar sim para algumas coisas e não para outras. O Pietro, porém, queria todas elas em seus braços, sem freios ou hesitação.

Eu também, admito, me divertia muito. Depois de um tempinho na piscina, o esforço da vinda era ofuscado pela alegria contagiante do Pietro. Me sentia feliz de estar ali. Percebi que era um momento para simplesmente estar presente e deixar que ele ditasse a agenda. Podia ver sua satisfação de ter o pai só para ele e interessado no que o interessava. Aquilo me fez notar o que eu perdia quando permanecia em meu mundo, ansioso por colecionar a minha próxima bola e com medo de deixar uma das minhas bolas atuais cair.

Como compartilho em Não é fácil ser pai, quando chegávamos ao carro, eu notava sentimentos interessantes dentro de mim. Contentamento. Afeição. Gratidão. Enquanto afivelava o Pietro em sua cadeirinha, percebia que nossas aulas de natação não se destinavam a desenvolver seu sistema nervoso ou a colocá-lo na frente da corrida contra os chineses. Me ajudavam a ser presente na vida e vislumbrar o milagre que crescia diante de meus olhos. Uma manhã para flutuar o corpo dele na água e me deixar levar também.

Olha só, as aulas de natação ensinaram mais a mim do que a ele.

 

René Breuel é um escritor brasileiro que mora em Roma, na Itália. Autor das obras O Paradoxo da Felicidade e Não É fácil Ser Pai, possui mestrado em Escrita Criativa pela Universidade de Oxford, no Reino Unido, e em Teologia pelo Regent College, no Canadá. É casado com Sarah e pai de dois meninos, Pietro e Matteo.

* O conteúdo do texto acima é uma colaboração voluntária, de total responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Portal Guiame.

 

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