Travesseiros em forma de coração. Ursinhos que mandam beijos. Filmes que exaltam a magia do amor à primeira vista. Aquela voz melosa no rádio desejando um feliz Dia dos Namorados “do fundo do meu coração.”
Para alguém romântico como eu, o Dia dos Namorados é uma deliciosa celebração do romance. Mas quando vejo travesseiros em forma de coração e ursinhos que mandam beijos, devo confessar parte de mim, digamos, reage negativamente. Um tsunami de romance exige que todo mundo pense pensamentos bonitinhos, carregue um bebê panda no ônibus, e abra o peito para as flechas do Cupido? Sem falar daqueles de nós que são solteiros, e que têm que se sentar atrás do panda no ônibus e aguentar o beijo no banco da frente. (Eu estou pensando em levar na próxima vez um canivete suíço no bolso, para pelo menos remover discretamente os olhos do panda enquanto o beijo rola...)
Brincadeiras à parte, o nosso açucarado Dia dos Namorados é um lembrete anual da oferta de felicidade plástica que encontramos por toda parte. Quer participemos ou não dessa celebração do romance, percebemos que o conceito por de traz é uma felicidade artificial, que circunda alguns objetos que podem ser comprados.
Como respondemos a essa noção artificial de felicidade cintilando diante dos nossos olhos? A primeira opção é negar o ideal de felicidade e considerá-lo impossível. Essa é a trilha do ceticismo, daqueles que não distinguem o ideal da felicidade das suas representações artificiais explícitas e que tiram sarro do Dia dos Namorados – “é uma coisa puramente comercial”.
A segunda reação pode muitas vezes coexistir com a primeira: é viver debaixo da pressão da felicidade plástica e tentar satisfazer as suas demandas. Percebemos que a felicidade a nós vendida é artificial, mas a sua atração é tão magnética que nos vemos perseguindo essa noção irreal de felicidade com os nossos pensamentos e ações. É a obediência relutante mas concreta da definição artificial de felicidade.
A opção que mais me atrai é o paradoxo da felicidade de Jesus. A felicidade é retirada do pedestal de objetivo último da existência, e torna-se uma consequência da correta orientação para a vida. Não precisamos ser escravos do ideal da felicidade, nem negá-lo, nem deixá-lo comandar nossa imaginação, e ainda assim não encontrar a felicidade. Existe uma trilha mais elevada, mais verdadeira, mais santa.
Paradoxalmente, somos felizes não quando refletimos sobre a nossa própria felicidade, mas quando nos esquecemos dela. Edith Wharton brincou dizendo: "Se parássemos de tentar ser felizes, teríamos momentos bem gostosos". Ou, nas palavras de Nathaniel Hawthorne: "A felicidade é uma borboleta que, quando perseguida, está sempre além do nosso alcance, mas que, se você sentar-se quieto, pode aproximar-se de você".
Isso acontece porque a felicidade é um projeto coletivo. Ao longo da história, algumas filosofias exaltaram o estereótipo do gênio brilhante, mas a maioria das pessoas intuiu que essa é uma noção irreal, um mito. Precisamos uns dos outros. Uma pessoa verdadeiramente brilhante é aquela que se conecta e ama, elevando as pessoas ao seu redor. Ela luta por vitórias compartilhadas e encontra felicidade dedicando-se ao bem-estar dos outros.
Essa compreensão não exclui celebrações como o Dia dos Namorados, por exemplo. Mas a rendem mais significativas e profundas. Podemos comprar o travesseiro em forma de coração ou não. O mais importante é realmente amar e nos doar uns aos outros.
René Breuel é um escritor brasileiro que mora em Roma, na Itália. Autor das obras O Paradoxo da Felicidade e Não É fácil Ser Pai, possui mestrado em Escrita Criativa pela Universidade de Oxford, no Reino Unido, e em Teologia pelo Regent College, no Canadá. É casado com Sarah e pai de dois meninos, Pietro e Matteo.
* O conteúdo do texto acima é uma colaboração voluntária, de total responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Portal Guiame.
Leia o artigo anterior: O que você precisa para ser feliz?