É bem provável que em nenhum outro lugar do mundo o contexto religioso seja tão complexa como na Índia. O hinduísmo é a religião dominante em quase 80% da população, mas há uma minoria muçulmana substancial — mais de 14% — com mais de 8 milhões de cristãos e 6 milhões de sikhs.
E o sistema de castas, identificado mais obviamente com o hinduísmo, também se faz presente no islamismo e até mesmo no cristianismo indianos. Isso está na raiz de algumas das formas mais profundas e perniciosas de discriminação. Os 'Dalits' — anteriormente conhecidos como 'Intocáveis', abaixo do degrau mais baixo da escada de castas, e os povos tribais podem experimentar discriminação que prejudica tanto prática como psicologicamente.
Não é só porque são mais pobres, têm pior saúde e morrem mais cedo, mas o pior é que a sociedade indiana acredita que eles "merecem" passar por tudo isso e se submeter a situações humilhantes, como entregar suas filhas à prostituição.
Estes são os contextos em que Joseph D'Souza, bispo da Igreja do Bom Pastor e presidente do Conselho Cristão de Toda a Índia, fundou a 'Dalit Freedom Network', para dar assistência às pessoas pobres e marginalizadas do país. A organização acabou de ser renomeada e agora é chamada de 'Dignity Freedom Network' (DFN) — e o novo nome é significativo.
"Começamos a entender o que os Dalits estão procurando. O resultado claro e único mais importante é a dignidade”, diz o líder cristão ao site 'Christian Today'.
Dignidade
A DFN consultou amplamente a palavra 'dignidade' para decidir incluí-la em seu novo nome.
"Ficou claro que isso dá a cada ser humano o conhecimento de que foram criados à imagem de Deus", diz D'Souza. "Temos que descobrir como ter uma mudança de paradigma em nossas mentes. A perda da dignidade, a desumanização que lhes diz que eles não são iguais às castas privilegiadas por causa de seu caráter moral, o que eles fizeram em uma vida passada, etc, isso é um ataque a quem você é como ser humano. Precisamos reconstruir em nossas próprias mentes e corações que somos criados à imagem de Deus e que, se fôssemos os únicos no mundo, Jesus teria morrido por nós".
É uma mensagem e um ministério que é profundamente atraente para os dalits da Índia. A Igreja do Bom Pastor reconhece que esta apresentação do Jesus da Bíblia ressoa com o povo. A igreja é conhecida como uma igreja que se preocupa profundamente com os direitos das mulheres. Assim, diz D'Souza, até mulheres de castas superiores decidem amar e seguir a Jesus.
O hinduísmo é uma das religiões mais antigas do mundo e o sistema de castas existe há milhares de anos. Mas outra faceta do caleidoscópio religioso é a ascensão de um tipo particular de hinduísmo durante os últimos anos. É nacionalista, fundamentalista e intolerante, o que impulsionou o governo do partido BJP do primeiro-ministro Narendra Modi ao poder.
Combate ao ritual de prostituição
Além de ajudar a mitigar as consequências da pobreza e da intolerância religiosa, a DFN tem um programa voltado para vítimas do ritual de prostituição. Durante séculos, os pobres dalits dedicaram suas filhas como 'Devadasis' ou 'prostitutas sagradas'.
Embora a prática seja proibida teoricamente, estima-se que nos estados de Odisha, Karnataka e Andra Pradesh existam cerca de 150.000 mulheres que cresceram através do sistema do Templo Devadasi. A DFN pretende ajudar a erradicar a prática e D'Souza diz que suas equipes impediram que quase 1.500 meninas fossem oferecidas nos últimos cinco anos. Os trabalhadores da DFN estão em contato com 10.000 prostitutas que escolheram líderes entre si.
"Nenhuma sociedade os aceitará e as ONGs não serão suficientes para apoiá-las", diz D'Souza. "Oferecemos treinamento vocacional e as ajudamos a criar pequenos negócios. Passamos por festivais e desafiamos famílias, dizendo a eles o que é a lei. Eles pegam alto-falantes e dizem: "Não ofereça suas filhas, isso não é legal", contou.
Até o momento, a unidade anti-tráfico humano da Igreja Bom Pastor já colocou meninas altamente vulneráveis em 50 abrigos. Além disso, está construindo outro abrigo para 150 meninas.
E na raiz de toda a discriminação enfrentada pelos dalits, ele diz, está o sistema de castas. É o próprio sistema de castas que tem que mudar. E ao contrário do que é frequentemente argumentado, ele acredita que isso não significaria o fim do hinduísmo, que é mais variado e adaptável do que parece.
"A luta pela dignidade e pela liberdade não vai acabar até que os Dalits se livrem dos grilhões da casta de uma forma ou de outra", diz ele. É a "maior questão de direitos humanos na história do mundo".