
David Karcha, líder da Igreja Batista Central da Ucrânia, testemunhou o trabalho realizado em meio à guerra iniciada em 2022, após a invasão russa ao país.
“24 de fevereiro de 2022 está gravado na minha memória – o dia em que a invasão em larga escala da Rússia começou”, lembra o pastor.
Segundo ele, esse foi o dia em que o medo varreu a Ucrânia como uma inundação. “Cada manhã começava com as mesmas perguntas: Quando eles atacarão novamente? Até onde eles irão? Sobreviveremos a isso?”
David diz que aquelas primeiras semanas pareciam que eles viviam dentro de um pesadelo que sem fim.
“As sirenes se tornaram a trilha sonora dos nossos dias. Cada chamada telefônica carregava um pedido de socorro. Aprendemos a correr, a nos esconder, a ajudar. Aprendemos a contar os segundos entre as explosões, a aproveitar até as menores coisas, a valorizar o que tínhamos. Aprendemos como a vida é frágil”, detalha.
E agora, após três anos de guerra, ele diz: “A invasão russa continua provocando impactos profundos, e as necessidades são imensas”.
Segundo o líder da igreja, mesmo em meio ao caos da guerra, sua comunidade tem testemunhado a ação poderosa de Deus.
Enfrentando a crueldade
David conta que 2023 e 2024 foram anos repletos de ainda mais crueldade e dor trazidas pelo exército russo.
“Mas seguimos em frente, ajudando o máximo que podíamos, mantendo a esperança e ansiando pela paz. Mas esses anos se misturaram. A esperança que nos sustentou durante o primeiro ano se esvaiu lentamente.”
Decorridos esses três anos, David diz: “Ainda estamos servindo. Ainda orando. Ainda crendo que Cristo, que saiu da sepultura, não terminou com a Ucrânia.”
Um civil ferido na cidade de refugiados em Lviv. (Foto: David Karcha)
Ele diz que ao olhar para trás agora, se 2022 foi aterrorizante, 2025 é de partir o coração. Passados esses anos, ele diz que “o choque desapareceu, mas não o sofrimento.”
David explica que o que resta é uma resistência teimosa – uma resistência inquebrável e um cansaço implacável. “Não se trata mais de sobreviver a um dia de medo; trata-se de suportar o longo e pesado peso de anos.”
“E, no entanto, mesmo em meio à exaustão, a vida e a fé continuam a irromper. A esperança surge nos lugares menores e inesperados – frágil, mas inabalável”, relata David.
Cidades de refugiados
Segundo ele, na cidade de Lviv, no oeste da Ucrânia, há o que chamam de "cidades de refugiados".
“Com longas fileiras de contêineres de transporte marítimo alinhados como ruas improvisadas. Elas são equipadas com eletricidade, aquecimento, camas e pequenas cozinhas. Milhares vivem nesses espaços: pessoas que perderam tudo e simplesmente não podem se dar ao luxo de recomeçar”, diz.
Ele diz que as pessoas que decidem caminhar por essas cidades, veem mulheres idosas sentadas em bancos, falando sobre as casas para as quais nunca mais voltarão. Também veem crianças – algumas nascidas durante a guerra – brincando e rindo, mas que não sabem nada sobre paz.
“Alina nasceu em Donetsk em 2022. Ela tem quatro anos. Veio para cá com a mãe e a avó. Para ela, sirenes são tão comuns quanto chuva. Seu amigo Dima se encolhe a cada barulho alto – até mesmo de caminhões que passam. Seus pais morreram”.
“O mundo deles é moldado pela dor e pela ausência. Eles não conseguem comparar a guerra com a paz – eles só conheceram isso”, explica.
“Se nada mudar, o anormal se tornará normal. Isso é o mais perigoso. A história deles reflete uma estatística sombria: segundo um relatório recente da ONU/UNICEF, 70% das crianças ucranianas – cerca de 3,5 milhões – não têm acesso a itens básicos como alimentação, abrigo ou água potável”, informa.
“A necessidade é avassaladora. Mas é exatamente aí que a Igreja é chamada a estar – não acima do sofrimento, mas entre eles”, afirma David.
Servindo os soldados
David diz que desde o primeiro dia da invasão, sua igreja – como muitas outras na Ucrânia – tem se unido aos que mais sofrem.
No início, eles ofereceram abrigo e comida à enxurrada de refugiados. Agora, caminham silenciosamente ao lado daqueles que ficaram.
“Muitos não podem partir. Não têm para onde ir. E assim trabalhamos para tornar a vida habitável novamente: ajudando crianças a encontrar amigos, fornecendo ajuda básica, criando espaços seguros para brincadeiras, música e esporte. Não é glamoroso, mas é fiel.”
O líder diz que também servem os soldados: não apenas nas trincheiras, compartilhando a Ceia do Senhor, mas também nos quartos de hospital onde se recuperam, muitas vezes sozinhos.
“Visitamos, levamos refeições, sentamos em silêncio e oramos. Lembramos a eles: vocês não foram esquecidos. Vocês não estão sozinhos”, detalha.
Ele conta o caso do soldado Olexander. Em 2022, ele era aluno do quarto ano do Seminário Teológico Batista Ucraniano – um ministro em treinamento de 44 anos da região de Kiev, que estava se preparando para servir a Igreja, não ao exército.
“Mas quando sua cidade pediu defensores, ele foi. Primeiro, cavou trincheiras. Depois, organizou a logística e fortificou posições. Por fim, juntou-se a uma unidade de combate na frente oriental”, conta.
Olexander antes de seus ferimentos. (Foto: David Karcha)
Por dois anos, Olexander lutou perto da região de Donetsk, diz David. “Por duas vezes, ele ficou preso atrás das linhas inimigas – uma delas por 20 dias. Em cada uma delas, a igreja orou. Alunos oraram. Amigos oraram. E, em cada uma delas, ele milagrosamente retornou vivo”.
Mas as coisas mudaram, infelizmente. Enquanto fornecia essas informações, Olexander está no hospital, gravemente ferido.
“Ele perdeu as duas pernas. Não sabemos se ele sobreviverá. Mas oramos – porque orar aqui não é rotina. É um ato de amor. Quando dizemos ‘estamos orando’, queremos dizer: ainda amamos e ainda confiamos em Deus”, afirma.
“Também oramos pelos enlutados. As viúvas a quem servimos muitas vezes vivem em um momento suspenso, presas entre a esperança e a tristeza. Algumas sabem que seus maridos se foram. Outras esperam em silêncio, divididas entre a saudade e o medo. Nosso chamado é entrar nesse silêncio com a única esperança verdadeira que temos – não em nós mesmos, mas em Cristo ressuscitado”.
Onde está Deus?
David fala sobre o desafio de manter a fé o que leva muitos a se perguntarem: “Onde está Deus em tudo isso?”
E David responde: “Ele está onde sempre esteve: com os oprimidos, movendo-se através do seu povo – muitas vezes de maneiras que só vemos muito mais tarde.”
O líder conta que a guerra destruiu lares, famílias e futuros. “De acordo com o Ministério da Defesa da Ucrânia, mais de 180.000 soldados e civis foram mortos ou feridos. Ela colocou até os mais fortes de joelhos.”
“E, no entanto, em meio aos escombros, algo sagrado está se agitando. O Espírito Santo está enchendo os fiéis comuns com uma graça extraordinária. Através da dor, eles estão levando luz a lugares onde nenhuma luz deveria alcançar.”
David diz que esses cristãos não sobem em palcos nem escrevem livros. “Eles abrem suas casas, compartilham refeições, oram com soldados e se sentam com viúvas. Seus nomes não serão notícia, mas sua fé ecoa na eternidade.”
“Vemos Deus nesses atos silenciosos de misericórdia. Nós o vemos em homens e mulheres que escolhem a compaixão em vez da conveniência – que resistem ao impulso de se voltar para dentro e, em vez disso, abrem suas vidas e dizem: ‘Entre. Você não está sozinho’".
“Nós o vemos na igreja. Pessoas que antes hesitavam em entrar em uma igreja evangélica agora entram por nossas portas em busca de verdade, cura e esperança. E elas encontram Jesus”, diz.
O pastor conta que nos últimos três anos, ele e os demais cristãos testemunham mais batismos do que nos 15 anteriores.
“Não por causa de programas ou estratégias, mas porque a guerra destruiu a ilusão de controle. E nesse vazio profundo, Cristo sussurra: ‘Eu ainda estou aqui. Eu ainda estou chamando você"’.
“Mesmo no campo de batalha, ouvimos histórias de soldados que sobreviveram contra todas as probabilidades. Alguns chamam isso de sorte. Outros chamam de graça. Talvez cada respiração seja um milagre quando alguém ousa acreditar novamente”, reflete.
David diz que esse tipo de fé não apenas sobrevive, mas mantém os outros unidos.
Como ajudar
Ele diz que antes da guerra pela qual tem passado, ele assistia ao sofrimento no noticiário da noite e sentia compaixão. Mas era algo distante de rua realidade. Era só mais uma manchete. “Agora eu sei o que significa viver dentro da manchete”.
David diz que nesse contexto aprendeu que o conforto, se não for controlado, pode enfraquecer a compaixão. “Quanto mais isolados estamos, mais fácil se torna ver o sofrimento de outra pessoa como algo distante ou menos real”.
“Mas e se este momento – esta guerra – for um convite de Deus para ampliar seu alcance? Você não precisa viajar para a Ucrânia para fazer a diferença”, diz.
David explica que as pessoas podem ajudar de onde estão por meio de oração, doação e envio de auxílio ministerial.
“Algumas igrejas na Europa enviam voluntários para administrar acampamentos, ensinar inglês ou oferecer atendimento a traumatizados. Esses momentos mudam vidas, tanto aqui quanto ali”.
“E aqui está a beleza oculta: quem dá muitas vezes se transforma junto com quem recebe”.
Ele fala do poder dessa ajuda: “Quando você o compartilha – por meio da presença, oração ou parceria – você estende o Reino de Deus a lugares onde a escuridão pensava ter vencido. E isso não é pouca coisa”.
E finaliza: “Podemos não saber como ou quando esta guerra terminará, mas conhecemos Aquele que detém o fim, e compartilhamos esta boa notícia com todos ao nosso redor. Até que esse dia chegue, continuaremos avançando – cansados, sim, mas nunca derrotados”.