O clima da Terra está ficando tão quente que as temperaturas em cerca de uma década, provavelmente, vão ultrapassar um nível de aquecimento que os líderes mundiais têm procurado prevenir, de acordo com o relatório divulgado na segunda-feira (09) pela ONU.
Sob o título “Código Vermelho para a Humanidade”, o relatório com mais de 3 mil páginas, de 234 cientistas, é dividido em “cenários” e afirma que “cada um dos cinco cenários para o futuro, com base em quanto as emissões de carbono são cortadas, passa dos limites definidos no acordo climático de Paris de 2015”.
Em cada cenário, disse o relatório, o mundo vai ultrapassar a marca de aquecimento de 1,5 graus Celsius na década de 2030, mais cedo do que algumas previsões anteriores. Os dados mostram que o aquecimento aumentou nos últimos anos.
Barcos estacionados no porto seco da ilha de Chisi, do lado Chilwa, em Zomba, no Malawi, dia 18 de outubro de 2018. (Foto: Amos Gumulira/AFP)
Em três cenários, o mundo provavelmente também excederá 2 graus Celsius (3,6 graus Fahrenheit) em relação aos tempos pré-industriais, com ondas de calor muito piores, secas e chuvas indutoras de inundações.
“Este relatório nos diz que as mudanças recentes no clima são generalizadas, rápidas e intensificadas, sem precedentes em milhares de anos”, disse o vice-presidente do IPCC, Ko Barrett, conselheiro sênior para o clima da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA.
Consequências do aquecimento global
Segundo os cientistas, autores do relatório, o aquecimento já está acelerando o aumento do nível do mar, encolhendo o gelo e agravando extremos, como ondas de calor, secas, inundações e tempestades.
Os ciclones tropicais estão ficando mais fortes e úmidos, enquanto o gelo marinho do Ártico está diminuindo no verão e o permafrost está derretendo. Todas essas tendências vão piorar, disse o relatório.
Os “permafrost” são solos congelados dos quais se espera que uma parte significativa venha à superfície até 2100 por causa do aquecimento global. O perigo é que o degelo pode trazer de volta vírus e bactérias que ficaram presos no passado, além de bilhões de toneladas de gases de efeito estufa.
Icebergs flutuando ao longo da costa leste da Groenlândia, perto de Kulusuk, em 15 de agosto de 2019. (Foto: Jonathan Nackstrand/AFP)
“É apenas garantido que vai piorar”, disse a co-autora do relatório Linda Mearns, cientista do clima do Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica dos Estados Unidos. “Não vejo nenhuma área que seja segura. Não há para onde correr e nenhum lugar para se esconder”, alertou.
O tipo de onda de calor que costumava acontecer apenas uma vez a cada 50 anos, agora acontece uma vez a cada década, e se o mundo aquecer outro grau Celsius (1,8 graus Fahrenheit), isso acontecerá duas vezes a cada sete anos, disse o relatório.
Aquecimento global é um sinal do fim dos tempos?
De acordo com o famoso Relógio do Apocalipse “agora estamos expressando em segundos o tempo que separa o mundo da catástrofe e do desastre, não mais em minutos", disse Rachel Bronson, presidente e diretora-executiva do Boletim de Cientistas Atômicos, numa coletiva concedida em Washington, em 2020.
O relógio que foi imaginado em 1947 para simbolizar a iminência de uma guerra nuclear, foi adiantado no ano passado e agora marca 100 segundos para a meia-noite, diante do risco do aquecimento global e da proliferação nuclear. Segundo os cientistas, então, estamos mais perto do fim do que nunca.
Mas o que significa “fim” para os cristãos? Um texto bíblico muito relacionado ao aquecimento global, como uma profecia para o fim do mundo está em 2 Pedro 3.7: “Pela mesma palavra os céus e a terra que agora existem estão reservados para o fogo, guardados para o dia do juízo e para a destruição dos ímpios.”
Muitos utilizam esse texto para afirmar que o planeta terra será destruído por meio do fogo, já que Deus prometeu jamais “ceifar nenhuma forma de vida pelas águas de um dilúvio para destruir a terra”, conforme o texto de Gênesis 9.11-13. Como garantia, Deus deixou o arco-íris como sinal da aliança Dele com a humanidade e com a terra.
Para o pastor e influenciador digital, Antônio Júnior, o texto de 2 Pedro está muito mais relacionado aos acontecimentos da Grande Tribulação do que com o “fim do mundo”, além disso, ele lembrou que haverá um tempo chamado “milênio” quando todas as coisas serão “restauradas”.
“Se o mundo acabar, como poderemos falar em restauração? Diante disso, não acredito que o aquecimento global nos levará para o fim do planeta terra, e sim para tempos extremamente difíceis”, disse ao Guiame.
O teólogo e hebraísta, Luiz Sayão, aponta para o enfoque “teológico-ecológico” que a Bíblia apresenta de forma muito nítida. “Note que Deus criou o ser humano no jardim, em harmonia com toda a criação e toda a natureza. E a entrada do pecado é que cria uma ruptura quando a terra passa a produzir ervas daninhas e espinheiros”, explicou ao Guiame.
O professor lembra também que o pensamento bíblico se baseia em leis ecológicas. “A gente vê, por exemplo, as leis ecológicas de proteção aos animais, no livro de Levítico”, citou.
“E quando o Novo Testamento fala sobre o final dos tempos, dá realmente uma ideia de cataclismas, não só nos discursos de Jesus, mas também no texto de 2 Pedro, que menciona o contexto de destruição”, continuou.
Sayão esclarece que a ideia “não é o fim de todas as coisas” e sim de “renovação da criação” para que venham os novos céus e nova terra. Ele atribui à redenção da criação envolvendo a própria terra.
“Vale a pena observar esse conceito sobre ‘a terra e tudo o que nela há, será desnudada’ [2 Pedro 3.10]. Isso nos remeterá a um futuro perfil de renovação, após os cataclismas do fim dos tempos”, disse.
O hebraísta também apontou para a responsabilidade humana, diante de Deus, de cuidar da criação enquanto fazemos parte dela.
Conclui-se, portanto, conforme os teólogos, que é mais provável que o aquecimento global seja um sinal para o tempo do fim e não para o “fim do mundo” como muitos sugerem.
Desastres climáticos
À medida que o planeta aquece, os lugares vão sendo mais atingidos, não apenas por condições meteorológicas extremas, mas por vários desastres climáticos que ocorrem simultaneamente.
É como o que está acontecendo agora no oeste dos Estados Unidos, onde ondas de calor, secas e incêndios florestais agravam os danos, disse Linda. Ela explica que quase todo o aquecimento que aconteceu na Terra pode ser atribuído às emissões de gases que retêm o calor, como dióxido de carbono e metano.
Bombeiro do Serviço Florestal dos EUA tentando retardar a propagação do Fogo Dixie, um incêndio florestal perto da cidade de Greenville, Califórnia, EUA, em 6 de agosto de 2021. (Foto: Fred Greaves/Reuters)
O relatório descreveu cinco cenários futuros diferentes com base em quanto o mundo reduz as emissões de carbono. São eles:
- Um futuro com cortes de poluição incrivelmente grandes e rápidos;
- Outro com cortes intensos de poluição, mas não tão massivos;
- Um cenário com emissões moderadas;
- Um quarto cenário onde os planos atuais para fazer pequenas reduções de poluição continuam;
- E um quinto futuro possível envolvendo aumentos contínuos na poluição de carbono.
De certa forma, o mundo pode ficar no limiar de 1,5 grau com cortes radicais e rápidos de emissões, mas mesmo assim, o aquecimento chegaria a 1,5 grau em uma década, subiria um pouco e depois diminuiria, disse a co-autora Maisia Rojas Corrada, diretora do Centro de Pesquisas sobre Clima e Resiliência do Chile.
O secretário-geral das Nações Unidas, Antonio Guterres, disse que mantém uma pequena esperança de que os líderes mundiais ainda possam, de alguma forma, evitar 1,5 grau de aquecimento.
No pior cenário do relatório, o mundo pode chegar em torno de 3,3 graus Celsius (5,9 graus Fahrenheit) mais quente do que agora. Mas esse cenário parece improvável, disse o co-autor do relatório e cientista climático Zeke Hausfather, diretor de mudança climática do Breakthrough Institute.
“Temos muito menos probabilidade de ter sorte e acabar com menos aquecimento do que pensávamos. Não seremos capazes de cumprir as metas do Acordo de Paris sem rápidas reduções de curto prazo em nossas emissões”, disse Hausfather.
“Ao mesmo tempo, as chances de acabar em um lugar muito pior do que esperávamos se reduzirmos nossas emissões são notavelmente menores”, explicou.
O relatório afirma que desastres ultra catastróficos, como o colapso das camadas de gelo e a abrupta desaceleração das correntes oceânicas, são “de baixa probabilidade”, mas não podem ser descartados.
O tão falado fechamento das correntes do oceano Atlântico, que desencadearia mudanças climáticas massivas, é algo que dificilmente acontecerá neste século, disse Kopp.
Em uma nova jogada, os cientistas enfatizaram como reduzir os níveis de metano no ar, um gás poderoso, mas de vida curta, que atingiu níveis recordes, poderia ajudar a conter o aquecimento de curto prazo.
Mais de 100 países fizeram promessas informais de atingir emissões “líquidas zero” de dióxido de carbono causadas pelo homem. O relatório disse que esses compromissos são essenciais. “Ainda é possível evitar muitos dos impactos mais terríveis”, conclui Barrett.