
Arrepender-se é libertar-se da obsessão de que precisamos justificar a razão de um ponto de vista não redimido. Daquele que insiste em afirmar-se como a verdade absoluta, mas que funciona como força de ruptura, tanto em nossa interioridade como na relação com os demais.
Arrepender-se é renunciar à ideia obsessiva de se estar sempre certo e de que o nosso jeito de pensar é a luz nas trevas, o sal da terra, a pérola perdida, a lâmpada para o caminho, e a revelação do divino para esse tempo. Essas certezas são nada santas, pois não passam de vaidade, de orgulho disfarçado. É necessário arrepender-se para não adoecer nessa fantasia obsessiva de ser dono de todas as verdades, de ser o deus de si e dos que nos cercam.
Arrepender-se é deixar cair o trono da razão vaidosa, que se ergueu sobre ruínas de comunhão. É reconhecer que a verdade não é posse, mas ponte — construída com fé, amor e escuta.
Arrepender-se é descer do pedestal para escutar o novo que está chegando e que a nossa mente limitada ainda não havia pensado, nem compreendido. É abrir-se para escutar e receber o que já está vindo, pois já saiu e está a caminho. É o espírito que chega para vivificar, como brisa suave que desperta a essência adormecida e como sopro que ressuscita o que a letra feriu e matou.
Fariseus e escribas, julgando-se obsessivamente guardiões do sagrado e conduzidos por mentes arrogantes, facilmente matam com letras letalmente frias e afiadas proferidas por lábios sem misericórdia.
Mas, Cristo, ao contrário, sempre busca em como dar vida. Ele atua com o Espírito que vivifica, que toca as fragilidades humanas com graça e misericórdia. Ele não escreve com ferro, mas com graça sobre corações feridos, não condena com dogmas, mas acolhe com compaixão.
Arrepender-se é deixar de ser juiz, para tornar-se discípulo. É abandonar a arrogância e trilhar a estrada da humildade. E nessa estrada, nos tornamos menos fariseus e escribas e mais semelhantes ao Cristo, que não veio para vencer debates, mas para vencer as rupturas mortíferas com amor.
Que o arrependimento seja semente e que floresça em nós como fruto da reconciliação.
*Texto de Carlos José Hernández (médico psiquiatra, doutor em medicina) e Clarice Ebert (psicóloga - CRP08/14038, terapeuta familiar e de casal, mestre em teologia).
Clarice Ebert (@clariceebert) é psicóloga (CRP0814038), Terapeuta Familiar, Mestre em Teologia, Professora, Palestrante, Escritora. Sócia do Instituto Phileo de Psicologia, onde atua como profissional da psicologia em atendimentos presenciais e online (individual, de casal e de família). Membro e docente de EIRENE do Brasil.
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