A Reforma Protestante não foi apenas um evento histórico do século XVI; foi um movimento espiritual que reacendeu o fogo da fé cristã em meio às trevas da corrupção e do legalismo religioso. Foi o grito de retorno às Escrituras como única regra de fé e prática, proclamando que “o justo viverá pela fé” (Rm 1:17). As vozes dos reformadores ecoaram como trovões de liberdade, chamando a Igreja de volta à centralidade de Cristo e à pureza do Evangelho.
Martinho Lutero ousou enfrentar o poder religioso e político de seu tempo com a coragem de quem confiava na verdade de Deus. João Calvino estruturou teologicamente os princípios da Reforma, enfatizando a soberania divina e a graça irresistível do amor de Deus. Ulrico Zuínglio, John Knox e tantos outros contribuíram para que o Evangelho voltasse a ser o eixo da vida e da fé. Foram homens de convicção profunda, que desafiaram sistemas e reacenderam o testemunho cristão em sua geração.
Mas a Reforma não foi um coro masculino. Ela teve também vozes femininas poderosas, movidas pela mesma chama espiritual e pela convicção de que a Palavra de Deus não conhece barreiras de gênero. Em meio ao silêncio imposto pela cultura patriarcal, muitas mulheres se ergueram como testemunhas da verdade e colaboradoras da Reforma.
Entre elas, destaca-se Argula von Grumbach, nobre bávara que desafiou teólogos e bispos em defesa das ideias de Lutero, escrevendo cartas públicas de uma ousadia incomum para seu tempo. Maria Dentière, teóloga e pregadora em Genebra, lutou pela inclusão das mulheres no estudo bíblico e defendeu a liberdade de consciência. Margarida de Navarra, irmã do rei Francisco I da França, usou sua influência política e literária para proteger protestantes perseguidos e promover o diálogo entre fé e cultura. Sua filha, Joana IV de Navarra, continuou essa herança, tornando-se uma das grandes defensoras da causa reformada em solo francês.
Também encontramos o exemplo de Catarina Zell, esposa de um pastor reformador em Estrasburgo, que pregava, escrevia e acolhia os pobres e perseguidos em sua casa, vivendo o Evangelho de forma prática. Catarina von Bora, esposa de Martinho Lutero, foi chamada de “a reformadora doméstica”, pois administrava a casa pastoral, cuidava dos necessitados e dava ao movimento reformador um rosto humano e familiar. Idelette de Bure, esposa de João Calvino, foi uma companheira de fé que viveu discretamente, mas com profunda devoção e serviço à comunidade cristã.
Na Inglaterra, Catarina Parr, sexta esposa de Henrique VIII, influenciou a fé reformada ao incentivar o estudo bíblico e a educação cristã. Sua firmeza inspirou outras mulheres de fé, como Anne Askew, mártir protestante que foi torturada e executada por não negar sua crença na justificação pela fé. E Lady Jane Grey, conhecida como “a Rainha dos Nove Dias”, permaneceu fiel a Cristo até a morte, testemunhando que a fé reformada não é apenas uma doutrina, mas um compromisso com a verdade, mesmo diante da espada.
Essas mulheres foram instrumentos divinos em meio a uma sociedade que pouco lhes reconhecia voz. Elas estudaram, escreveram, ensinaram, acolheram, sustentaram famílias e comunidades inteiras. Foram teólogas, intercessoras e proclamadoras da graça, mostrando que o Espírito Santo reparte dons e vocações conforme lhe apraz (1Cor 12:11), e que o chamado para reformar a Igreja é também um chamado à igualdade no serviço do Reino.
Lembrar as vozes dos reformadores e reformadoras é reconhecer que a Reforma não terminou em 1517. Ela continua viva sempre que homens e mulheres, movidos pelo Espírito, decidem colocar a Palavra acima das tradições humanas, sempre que a graça é proclamada como dom gratuito e sempre que a fé é expressa em amor e justiça.
Hoje, mais do que nunca, a Igreja precisa dessas vozes — firmes, humildes e cheias de coragem. A Reforma é um convite permanente à fidelidade. Como dizia Lutero: “A paz, se possível; a verdade, a qualquer preço.” Que essa verdade continue a ser proclamada por homens e mulheres que não se curvam diante das estruturas, mas se ajoelham diante da cruz de Cristo.
Ediudson Fontes (@ediudsonfontes) é pastor auxiliar da Assembleia de Deus Cidade Santa (RJ), teólogo, pós-graduado em Ciências da Religião e mestrando em Teologia Sistemático-Pastoral pela PUC-Rio. Escritor, professor de Teologia, casado com Caroline Fontes e pai de Calebe Fontes.
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