Ao falar sobre os acontecimentos do fim e de seu retorno, em Mateus 24, Yeshua comparou sua volta sem aviso como um ladrão que invade uma casa à noite e pega seu dono desprevenido. Esses ensinamentos sobre a chegada definitiva do Messias foram amplamente disseminados e a expressão “como um ladrão de noite” tornou-se bem conhecida entre os discípulos da Igreja Primitiva, tendo sido mencionada pelos apóstolos Paulo e Pedro em suas cartas (1Ts 5:2 e 2Pe 3:10). E assim tornou-se também uma marca registrada sobre a volta do Senhor até os dias atuais, no seio da Igreja contemporânea.
O problema com esse termo é que, tirado fora de seu contexto, dá margem a má interpretação, o que geralmente ocorre quando se isola um verso e se ignora seu emprego ao longo das Escrituras. Muitos alegam que, por Ele ter afirmado que ninguém sabe o dia nem a hora de sua volta, não se deve nem cogitar em discutir o assunto. Devemos simplesmente aguardar passiva e cegamente seu retorno, sem saber quando ocorrerá. Mas será mesmo que Ele quis dizer isso em seu sermão? Será que é a vontade de Deus que seus discípulos vivam completamente ignorantes a respeito de sua volta?
Interpretando os sinais
Por todas as Escrituras, constatamos a importância de se reconhecer os sinais dos tempos em que vivemos. Isso ocorre com os profetas, em especial Jeremias e Daniel. Os filhos de Issacar eram entendidos na ciência dos tempos para saberem o que Israel devia fazer (1Cr. 12:32). A palavra para entendidos é biná e ainda é usada no hebraico moderno. Significa inteligência, compreensão, discernimento.
Assim, na época de Davi, havia uma tribo em Israel ungida com conhecimento e sabedoria que a capacitava a reconhecer os sinais dos tempos em que viviam, orientando o povo a agir em conformidade. Se Deus permitiu que Israel tivesse uma tribo dedicada a interpretar os tempos para que seu povo não agisse com insensatez, por qual motivo Ele iria querer que seus filhos, vivendo em uma era tão importante como os tempos do fim, vivessem como em um jogo de cabra-cega?
Os Evangelhos contam a história de três sábios provenientes do oriente que souberam reconhecer a chegada do Messias de Israel pelo conhecimento e pelo estudo, em particular dos livros proféticos. O interessante é que, ao determinarem a época de seu nascimento, subiram a Jerusalém para indagar por Ele, partindo do princípio que todo Israel sabia, pois tratava-se do nascimento de seu Rei. Para sua surpresa, sua chegada chamou a atenção de toda a capital israelita que, junto com Herodes, ficou totalmente perturbada com a busca dos sábios pelo Messias (Mt.2:3). Israel não fora capaz de reconhecer o tempo da chegada de seu Messias, mas homens revestidos de conhecimento e sabedoria, sim. E o fizeram porque sabiam reconhecer os sinais dos tempos em que viviam, tal qual os filhos de Issacar dez séculos antes.
A Parábola da Figueira
Sim, a vinda do Senhor será como o ladrão de noite. Todavia, assim o será para todos os que dormem, como as cinco imprudentes na parábola das dez virgens. O evento do arrebatamento será em uma fração de segundo. Quando derem conta os que aqui ficarem, simplesmente não mais verão nenhum dos que foram arrebatados. É a mesma imagem de quem percebe que um furto foi realizado. Isso ocorre no momento em que a pessoa sente falta do objeto que lhe pertencia e se dá conta de que foi roubada. É a mesma imagem de quem teve sua casa invadida por um ladrão que saqueou seus pertences enquanto dormia à noite. A pessoa só se dará conta do ocorrido ao despertar pela manhã. Yeshua não poderia ter encontrado analogia melhor para ilustrar seu retorno repentino.
Por outro lado, para os que o esperam, sua vinda não deve surpreender como o ladrão de noite. O próprio Paulo afirma isso ao empregar essa mesma expressão tão conhecida entre os discípulos, ao escrever: “Mas vós, irmãos, já não estais em trevas, para que esse dia vos surpreenda como um ladrão” (1Tessalonicenses 5:4). Portanto, não é correto assumir como desculpa que não se sabe quando o Senhor voltará e alegar ignorância ou despreparo. Podemos não saber os exatos dia e hora, mas podemos e devemos reconhecer o tempo de sua volta. Foi isso que fizeram as virgens prudentes da parábola contada por Yeshua, mantendo consigo suas lamparinas cheias de azeite — um símbolo do Espírito Santo.
O próprio Yeshua repreendeu asperamente os fariseus por não reconhecerem os sinais dos tempos (Mt. 16:2-3). Ele chorou sobre Jerusalém que pagou um alto preço porque não soube reconhecer o tempo de sua visitação (Lc. 19:41-44). E exortou os discípulos com a parábola da figueira para que saibamos reconhecer os sinais de sua volta. Quando seus ramos se tornam tenros e brotam folhas, sabe-se que o verão está próximo. Do mesmo modo, quando os sinais apontados por Ele estiverem ocorrendo, saberemos que o Filho do Homem “está próximo, às portas” (Mt. 24:32-33).
Definitivamente, a imagem do ladrão na noite não se aplica aos que subirão com Yeshua quando Ele se manifestar a fim de resgatar sua Noiva. Por falar em noiva, na antiga cultura de Israel, a noiva não sabia o dia de seu casamento, mas conhecia a época em que seu noivo voltaria repentinamente para a cerimônia. Cabia a ela a obrigação de estar pronta para quando ele chegasse, sob o risco de o contrato de casamento ser desfeito. Assim como agia a noiva, todos os que creem e esperam em Yeshua devem saber reconhecer o tempo de sua chegada e se prepararem de acordo para não serem surpreendidos.
Getúlio Cidade é escritor, tradutor e hebraísta, autor do livro A Oliveira Natural: As Raízes Judaicas do Cristianismo e do blog www.aoliveiranatural.com.br
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