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A Notre Dame está sendo reinaugurada – como uma igreja?

Quando a Notre Dame sofreu um incêndio devastador em 2019, o mundo lamentou os danos causados a um ícone amado.

fonte: Guiame, René Breuel

Atualizado: Segunda-feira, 9 Dezembro de 2024 as 3:20

(Foto: Pexels/Adrienn)
(Foto: Pexels/Adrienn)

“Notre-Dame é nossa história, nossa literatura, parte de nossa psique, o local de todos os nossos grandes eventos, nossas epidemias, nossas guerras, nossas libertações, o epicentro de nossas vidas”, comentou o presidente francês Macron na época. Jornais como El Pais, da Espanha, lamentaram o dano causado a “um símbolo da cultura europeia”, enquanto o então presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, declarou que “Notre-Dame pertencia a toda a humanidade”.

Perdendo o vocabulário da fé

Na época, eu também tive a oportunidade de refletir sobre essa tragédia em um artigo para o Washington Post1. E o que notei é que muitos observadores pareciam perder de vista que uma igreja havia pegado fogo.

Por mais sinceras e comoventes que sejam as palavras [dos políticos e da mídia], elas traem também uma tragédia maior: a perda de uma linguagem comum de fé. O fato de Notre Dame ser uma igreja construída principalmente como uma casa de oração parecia curiosamente em segundo plano.

Claro, a catedral testemunhou a coroação de Napoleão e sobreviveu à Revolução Francesa e a duas guerras mundiais. Ela é um símbolo de Paris e um patrimônio de toda a humanidade.

Mas nosso luto coletivo não deve esquecer o fato de que uma igreja estava pegando fogo. Mais do que um ícone nacional ou um ponto turístico, catedrais como a Notre Dame revelam sua alma quando abrigam cantos e batismos, confissão e perdão, pregação e oração... se nosso vocabulário compartilhado excluir palavras como “Deus” e “fé”, teremos perdido mais do que um edifício. Teremos perdido o léxico de nossas almas.

Cinco anos depois, a Notre Dame foi reinaugurada após caras reformas. E eu ainda me pergunto: será que as percepções mudaram com o tempo? Ou essa catedral ainda é vista principalmente como um local cultural, turístico e político?

As Escrituras dão linguagem para o lamento e a esperança

A Bíblia nos fornece uma linguagem ampla para expressar a dor coletiva. Quando o templo de Jerusalém foi destruído pelos babilônios, por exemplo, o povo de Israel usou conceitos espirituais eloquentes para expressar sua dor. “Ó Deus, por que nos rejeitaste por tanto tempo?”, começa o Salmo 74, antes de continuar,

lembra-te ainda do monte Sião, a tua habitação.
Caminha pelas ruínas assustadoras da cidade;
vê como o inimigo destruiu teu santuário...
Levanta-te, ó Deus, e defende tua causa;
lembra-te de como esses tolos te insultam o dia todo.

Da mesma forma, a recuperação do vocabulário espiritual também ajuda os cristãos a se apoderarem do conforto e da esperança enquanto estão nas trevas. Hoje em dia, é comum que figuras públicas digam vagamente que seus “pensamentos e orações” vão para aqueles que estão sofrendo.

Mas as palavras do profeta Ageu sobre a reconstrução do Templo judaico eram muito mais vívidas e esperançosas. “'A glória desta casa atual será maior do que a glória da casa anterior', diz o Senhor Todo-Poderoso. E neste lugar concederei paz”.

Minha mente também se lembra da alegria que os judeus expressaram no final do exílio na Babilônia, quando lhes foi permitido retornar à sua amada terra. O Salmo 126 expressa isso,

Quando o Senhor trouxe os exilados de volta a Sião,
foi como um sonho.
Nossa boca se encheu de riso,
e cantamos de alegria.
As outras nações disseram:
“O Senhor fez coisas grandiosas por eles”.
Sim, o Senhor fez coisas grandiosas por nós;
que alegria!

Minha esperança é que a reinauguração de Notre Dame encoraje as pessoas não a quererem visitar Paris como turistas, mas a visitar uma igreja onde quer que morem, por mais simples que seja, para orar, cantar e encontrar o Senhor lá.

Link:

1 https://www.washingtonpost.com/religion/2019/04/16/notre-dame-isnt-just-cultural-landmark-we-should-remember-that-church-was-fire/

 

René Breuel é um pastor brasileiro que mora em Roma, na Itália. Autor das obras O Paradoxo da Felicidade e Não É fácil Ser Pai, possui mestrado em Escrita Criativa pela Universidade de Oxford, no Reino Unido, e em Teologia pelo Regent College, no Canadá. É casado com Sarah e pai de dois meninos, Pietro e Matteo.

* O conteúdo do texto acima é uma colaboração voluntária, de total responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Portal Guiame.

Leia o artigo anterior: Se Deus existe, por que não elimina o sofrimento?

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