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Se Deus existe, por que não elimina o sofrimento?

Se quiser eliminar o sofrimento, você também deve eliminar a vida.

fonte: Guiame, René Breuel

Atualizado: Quinta-feira, 28 Novembro de 2024 as 3:16

(Foto: Pexels)
(Foto: Pexels)

Em meu artigo anterior, considerei o problema do mal de um ponto de vista secular. Vimos que o mal é um enigma tanto para os crentes quanto para os não crentes. Muitos céticos afirmam que a existência do mal é uma prova da inexistência de Deus, mas sem fé em Deus não temos base para considerar o mal “mal”.

Como explicá-lo de uma perspectiva cristã? A resposta cristã clássica é que Deus não criou o mal. Criou pessoas livres, que têm uma consciência moral e a capacidade de escolher. Nós escolhemos traí-lo, seguir nosso próprio caminho e agora sofremos as consequências do pecado.

Não sei o que você pensa, mas quando ouço esse argumento, ele me parece um pouco frio... Posso pensar em algumas perguntas difíceis para fazer sobre o tema do livre-arbítrio.

Por que Deus nos deu o livre arbítrio?

A primeira é: por que Deus nos deu o livre-arbítrio, então? Se Ele era capaz de prever toda a dor que isso traria, por que colocou aquela árvore no jardim?

C.S. Lewis dá esta resposta: “Porque a livre escolha, embora torne o mal possível, é também a única coisa que torna possível qualquer amor, bondade ou alegria dignos. Um mundo de robôs – de criaturas que funcionassem como máquinas – dificilmente seria digno de ser criado.”

Um mundo sem liberdade humana seria um mundo sem humanos. As palavras “eu te amo” só têm valor se a pessoa realmente tiver a intenção de dizê-las. Um fantoche que repete “eu te amo” quando você pressiona sua barriga repetiria esses sons, mas eles não teriam sentido.

Jean-Paul Sartre disse algo semelhante: “O homem que deseja ser amado não deseja a escravidão de quem ama.... Se o amado for transformado em um autômato, o amante se encontrará sozinho.”

Por que Deus não impede atos trágicos?

A segunda pergunta que pode vir à mente quando pensamos sobre o livre-arbítrio é: “OK, eu entendo que os atos humanos não teriam sentido sem a capacidade de escolha e que seria melhor ter um mundo que desse significado real à possibilidade de amar e ser amado. Mas por que não mudar as circunstâncias que nos fazem sofrer?”

Acho que muitas vezes Deus impede que coisas ruins aconteçam. Mas Deus não pode interromper sistematicamente todo o sofrimento do mundo, porque se o fizesse, isso destruiria o mundo.

Imagine se eu quisesse lhe dar uma surra (com muita delicadeza e respeito!). Se Deus quisesse me impedir, ele teria que bloquear não apenas meu punho no ar, mas também minha intenção de esmurrá-lo e, assim, bloquear meu pensamento, desfazer quem eu sou e desfazer quem somos todos nós. Deveria parar de apoiar um mundo onde há maldade e, com isso, tudo o que existe deixaria de existir em um instante.

Para acabar com o sofrimento do mundo, Deus teria que acabar com o mundo. Para acabar com as fontes de sofrimento, Ele teria que acabar conosco! Se quiser eliminar o sofrimento, você também deve eliminar a vida.   

Este mundo vale a pena?

Isso nos leva à terceira pergunta que vem à mente quando consideramos o livre-arbítrio que Deus nos concedeu: "OK, se a escolha for entre este mundo (com a liberdade e o significado e também o sofrimento que temos) e um mundo de robôs ou a aniquilação do mundo, vale a pena? Há muito sofrimento neste mundo... Não seria melhor se o mundo não existisse mais?

O próprio Deus conhece essa frustração. Certa vez, Ele decidiu destruir o mundo, quando o Gênesis relata que Deus mandou um dilúvio porque a Terra estava cheia de maldade. Deus não permanece indiferente ao mal. Ele chora diante do sofrimento humano, a ponto de querer destruir tudo, embora, no final das contas, ainda aposte na vida. Ele escolhe Noé e sua família para dar outra chance à humanidade.

Parte de si mesmo diz: “Quero terminar com isso”. Mas outra parte diz: “Amo vocês! Isso dói... mas não posso fazer outra coisa. Eu os dou outra chance".

Desmond Tutu, o arcebispo anglicano que ganhou o Prêmio Nobel da Paz por seu trabalho para derrotar o Apartheid na África do Sul, escreveu:

“Pode haver momentos em que Deus tenha se arrependido de ter nos criado, mas estou igualmente convencido de que há muito mais momentos em que Deus se sente justificado por nossa bondade, nossa magnanimidade, nossa nobreza de espírito... Para cada ato malévolo, há uma dúzia de atos bons neste mundo que passam despercebidos.”

Também fiquei impressionado com o que Tutu disse quando viu os rostos dos africados oprimidos pelo Apartheid mudarem quando ouviram como sua dor poderia ser usada para o bem.

“A consistência do sofrimento muda quando o vemos e o experimentamos como redentor, como não desperdiçado, como não sem sentido. Nós, humanos, toleramos o sofrimento, mas não podemos tolerar a falta de sentido.”

Podemos tolerar uma dor enorme se o fizermos com um propósito valioso, por exemplo, uma pessoa que doa um rim para salvar a vida de alguém que ama.

O livre-arbítrio torna possível o mal, mas também a humanidade e o amor. Para eliminar o mal, Deus teria que aniquilar o universo ou criar um mundo de seres sem livre escolha e sem a possibilidade de amor verdadeiro.

 

René Breuel é um pastor brasileiro que mora em Roma, na Itália. Autor das obras O Paradoxo da Felicidade e Não É fácil Ser Pai, possui mestrado em Escrita Criativa pela Universidade de Oxford, no Reino Unido, e em Teologia pelo Regent College, no Canadá. É casado com Sarah e pai de dois meninos, Pietro e Matteo.

* O conteúdo do texto acima é uma colaboração voluntária, de total responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Portal Guiame.

Leia o artigo anterior: Sem a fé em Deus, é difícil sofrer com propósito

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