O Supremo Tribunal Federal (STF) declarou nula uma lei municipal de Votorantim (SP), que proibia o uso de linguagem neutra nas escolas. O julgamento, que foi finalizado nesta segunda-feira (11), durou dez dias.
A ação de inconstitucionalidade foi ajuizada pela Aliança Nacional LGBTI+ e pela Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas (Abrafh).
A Corte analisou a lei municipal 2.972, de 15 de maio de 2023, que proibia o uso de linguagem neutra nas instituições de ensino da cidade, considerando que ela divergiria das normas estabelecidas pelas diretrizes e bases da educação nacional.
De acordo com o texto da lei, agora invalidada, o uso da linguagem neutra estava proibido em currículos escolares e em editais, incluindo as novas formas de flexão de gênero e número das palavras na língua portuguesa.
A medida se aplicaria a todas as instituições de ensino da cidade, independentemente do nível de atuação e da natureza, seja pública ou privada, além de abranger também as bancas examinadoras de seleções e concursos públicos.
Voto do relator
Relator do caso, o ministro Gilmar Mendes ressaltou em seu voto que somente a União tem competência para legislar sobre as diretrizes da educação, e enfatizou que, embora o município tenha poder de legislar, essa atuação deve ser de forma complementar.
“É bom notar, entretanto, que, em matéria de educação, cabe exclusivamente à União determinar normas gerais que regulamentam esse sistema, atribuindo-lhe uniformidade mínima em âmbito nacional. Assim o é, essencialmente, para assegurar o desenvolvimento de um sistema coeso e eficaz, que atendendo às necessidades do país de maneira harmônica, respeite as diferenças regionais, e evite eventuais disparidades que comprometam o acesso e a qualidade da educação.”
Ele reforçou que a lei de Votorantim excede os limites da competência do município. Dessa forma, declarou a inconstitucionalidade da legislação.
“As normas constantes da lei questionada ultrapassam a estrita imposição de deveres à Administração do Município de Votorantim, atingindo terceiros públicos e privados.”
Como votaram os ministros
Os ministros Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Flávio Dino, Dias Toffoli, Edson Fachin, Luiz Fux e Roberto Barroso acompanharam o voto do relator, Gilmar Mendes, para invalidar a lei de Votorantim.
O ministro Cristiano Zanin apresentou voto em separado, divergindo do relator Gilmar Mendes. Em sua manifestação, Zanin argumentou que a inconstitucionalidade não se estende a todos os artigos da lei de Votorantim.
O ministro Cristiano Zanin afirmou que um trecho da lei de Votorantim se limita a garantir aos estudantes do município o direito ao aprendizado da língua portuguesa, conforme a norma culta, as orientações nacionais de educação, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp) e a gramática estabelecida pela reforma ortográfica da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
“Entendo que não há que se falar em inconstitucionalidade dos arts. 1º, 4º e 5º da Lei n. 2.972, de 15 de maio de 2023, do Município de Votorantim, que apenas reproduzem ditames estabelecidos pelas normas gerais fixadas pela União.”
Aderiram ao voto de Zanin os ministros Nunes Marques e André Mendonça.
Posicionamento da Câmara e da Prefeitura
Em nota, a Câmara de Votorantim afirmou que seu posicionamento é de respeito à decisão do STF.
A Prefeitura de Votorantim, por meio da Secretaria de Educação, à qual o texto da lei faz determinações, afirmou que segue a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB).
“Consequentemente, o município não tem competência de promover qualquer alteração no ensino que não seja definida pelo governo federal e pelos órgãos competentes.”
O autor da lei, vereador Cirineu Barbosa (PL), atual presidente da Câmara de Votorantim, defendeu a proibição da linguagem neutra, conforme estabelecido em sua legislação.
Para ele, a "inserção de forma impositiva nas esferas educacionais de linguagem oriunda de uma vertente puramente ideológica pode representar gravíssimo prejuízo para a formação educacional dos estudantes enquanto cidadãos."
Gênero neutro
A Aliança Nacional LGBTI+, que ajuizou a ação, afirmou em nota que a lei em questão apresenta um claro vício de iniciativa, o que a torna inconstitucional, além de outras inconstitucionalidades no aspecto material.
"Essa é a sexta ação da instituição julgada esse ano e ainda aguardamos julgamento de outras 14 ações. A defesa da cidadania da população LGBTI+ é nossa finalidade estatutária, buscamos sempre medidas civilizatórias por meio do diálogo, mas continuaremos a judicializar todas as leis que forem aprovadas com o intuito de discriminar nossa população."
Usar o gênero neutro é substituir os artigos feminino e masculino por um "x", "e" ou até pela "@" em alguns casos. Assim, "amigo" ou "amiga" virariam "amigue" ou "amigx". As palavras "todos" ou "todas" seriam trocadas, da mesma forma, por "todes", "todxs" ou "tod@s". A mudança, como é popular principalmente na internet, ainda não tem um modelo definido.