Era uma madrugada fria de inverno em Éfeso, na Turquia, quando o ônibus se aproximou lentamente da pequena rodoviária, envolvido por uma forte neblina. Dentro do veículo, uma equipe de missionários brasileiros observava a cena com uma mistura de curiosidade e apreensão. Eles não conheciam a mulher que os aguardava.
Assim que o ônibus estacionou, saindo da neblina, surgiu uma figura pequena. De baixa estatura e com um sorriso acolhedor, a mulher caminhou em direção aos missionários e, para surpresa de todos, os recebeu com abraços calorosos. Esse gesto, tão raro em uma cultura onde o primeiro encontro costuma ser mais reservado.
A mulher que os recebia era Neşe, uma turca amiga de Jesus Cristo. Porém, nem sempre aquele sorriso e amor foram parte de sua vida.
Natural de Istambul, ela sempre foi uma pessoa muito triste, lidando com a depressão e buscando respostas nas filosofias, livros espiritualistas e até mesmo na meditação transcendental. Naquela época, acreditava que poderia encontrar paz e felicidade nessas práticas.
Uma nova cidade e uma nova vida
Foi aí então que decidiu sair de Istambul. A ideia era dar um tempo, descansar um pouco e, quem sabe, encontrar algum alívio temporário. Ela se dirigiu para Éfeso, uma cidade pequena que, para sua surpresa, se tornaria o lugar onde sua vida mudaria para sempre.
Foi em Éfeso, em uma tarde aparentemente comum, que algo marcante aconteceu. Um homem coreano entrou na sua loja e lhe entregou um pequeno presente, cuidadosamente embalado. Sem dizer uma palavra, ele se ajoelhou diante dela e disse: “Isso é para você.” Confusa, Neşe agradeceu, mas ele não falou mais nada e rapidamente foi embora. Ao abrir o presente, descobriu que era um livro – a Bíblia.
Naquele momento, Neşe já havia ouvido falar da Bíblia, mas nada nela parecia fazer sentido. Imersa nas filosofias da Nova Era, ela não via conexão com aquele livro e decidiu guardá-lo, deixando-o de lado.
Durante o tempo em que a Bíblia permaneceu esquecida no armário, sua vida continuou a desmoronar. Sem a presença da família, vivia em um porão úmido e solitário, onde a solidão parecia ser sua única companhia. Quando seu namorado a deixou para se casar com outra pessoa, ela se viu completamente sozinha e sem forças.
Vista aérea da atual cidade de Éfeso, onde Neşe deixou um legado. (Foto: arquivo pessoal)
Impactada pela Palavra
Uma noite especial, porém, mudou seu destino: “Era 12 de maio de 1999, quase 11 horas da noite. Cheguei em casa e, como de costume, abri uma janela pequena para tentar deixar o cheiro do porão sair. Quando me dei conta, observando o lugar onde morava, a vida estava tão difícil que comecei a chorar, sem saber mais como lidar com tudo o que estava acontecendo”.
“Naquela noite, sem saber mais o que fazer, procurei algo para ler que pudesse, ao menos, aliviar um pouco minha dor. Foi então que me lembrei do livro vermelho que o homem coreano tinha me dado”, relatou. “Abri-o sem esperar nada e, por acaso, caí na passagem de Apocalipse 3:20: ‘Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele, e ele comigo.’”
Essas palavras tocaram profundamente o seu coração. “Pela primeira vez, senti que Deus queria ter uma relação pessoal comigo. Eu, que sempre acreditei em um Deus distante e inacessível, agora me via diante de um convite para intimidade com Ele.”
“Aquela voz, seguida de um convite que dizia: ‘Se você precisa de Deus, chame por Ele, e Ele virá até você e cuidará de você’, não saía mais da minha mente. Sentindo um desespero absoluto, fiz uma oração simples: ‘Se o Senhor é realmente Deus e está vivo, eu preciso de você. Estou te convidando para entrar na minha vida.’”
Um jantar para Jesus
Após essa oração, Neşe ficou aguardando que algo acontecesse, mas nada pareceu mudar de imediato. Foi então que, lembrando-se de Apocalipse 3:20, onde Jesus diz: "Eis que estou à porta e bato", ela teve uma ideia. Pensou que, se Jesus estava à porta, nada melhor do que prepará-Lo um jantar e convidá-Lo a entrar.
Com essa ideia no coração, ela arrumou a mesa e, com fé, convidou Jesus para ir jantar com ela. No entanto, Jesus não apareceu fisicamente.
Quando ela finalmente se deitou, estava cheia de dúvidas, sem saber o que pensar. No entanto, algo começou a acontecer de maneira sutil, mas poderosa. Sentiu como se uma chuva suave, porém intensa, estivesse caindo sobre ela, preenchendo seu corpo com uma paz que parecia restaurar sua alma. Cada gota era como uma cor vibrante, e Neşe sentia cada uma delas tocando sua pele, como se algo profundo estivesse sendo curado em seu interior.
"E então, a sensação foi além. Vi duas mãos me erguerem da cama. Assustada, pensei que estivesse morrendo. Gritei de medo, mas logo ouvi uma voz poderosa e amorosa que dizia: 'Não tenha medo, eu estou com você.' Aquela voz encheu meu coração com uma paz indescritível, dissipando qualquer temor”, relatou.
“Quando a experiência terminou, fui suavemente colocada de volta na cama. Abri os olhos e, embora o quarto fosse o mesmo, sabia que eu não era mais a mesma.”
Na manhã seguinte, embora todos os seus problemas ainda estivessem presentes, algo dentro dela havia mudado. Ela sentia uma paz profunda, como se, pela primeira vez, estivesse completamente livre. Começou a ler a Bíblia, buscando mais sobre aquele Deus que a havia tocado de uma maneira tão pessoal e real.
Auto batismo
Através da leitura bíblica, Neşe descobriu que Jesus havia sido batizado e que o batismo era um passo essencial para todo aquele que amasse a Cristo. “Naquela época procurei uma igreja onde pudesse me batizar, mas não encontrei nenhuma nas redondezas”, contou.
Foi então que, apaixonada pela Bíblia e guiada pela fé que ardia em seu coração, ela tomou uma decisão: “Ali, sozinha, no banheiro da minha casa, enchi a banheira com água e, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, fiz o meu próprio batismo.”
E revelou: “Aquele batismo, feito de maneira tão íntima e pessoal, foi uma expressão do meu compromisso com a fé que agora tinha em Jesus. Não precisei de uma cerimônia formal para viver a minha fé. Passei a entender que Deus me conhecia e me amava muito antes de eu nascer, e essa revelação transformou o meu ser por completo. A paz e a liberdade que experimentei naquele momento nunca mais me deixaram. Em 2000, movida por essa transformação, comecei a ajudar outras pessoas, levando a palavra de Deus àqueles que passavam pelas mesmas dificuldades pelas quais eu mesma havia passado.”
Em 2011, após o início da guerra na Síria, muitos refugiados sírios fugiram para a Turquia, o que fez com que ela iniciasse um ministério de ajuda a esses refugiados. Em 2014, com esse novo propósito em seu coração, decidiu abrir a Casa do Pastor, um espaço de refrigério e fortalecimento para cristãos que necessitavam de acolhimento e apoio.
Alguns anos depois, Deus a guiou a abrir uma igreja, através da qual vários turcos tiveram um encontro com Cristo e muitos outros ouviram o evangelho pela primeira vez.
Ajudando crianças em um campo de refugiados. (Foto: arquivo pessoal)
Uma perda, mas um legado duradouro
Infelizmente, em maio de 2023, ela faleceu após sofrer um infarto fulminante. Durante seu enterro, cristãos de várias partes da Turquia lamentaram sua partida.
No entanto, se você caminhar por Éfeso e perguntar sobre ela, descobrirá o impacto que causou na cidade. A igreja que fundou continua de portas abertas, tocando vidas e espalhando o amor de Cristo.
Talvez aquele homem coreano, que muitos anos atrás lhe deu uma Bíblia de presente, não tenha ideia do impacto que sua ação teve na vida dela e em toda a cidade de Éfeso.
Entre os missionários que a conheceram, muitos ainda levam sua história a diferentes lugares. O legado que ela deixou em Éfeso nos lembra que essa cidade foi palco de muitas histórias bíblicas no Novo Testamento, e o mesmo Deus que agiu no passado continua agindo hoje.
