Os admiradores das obras de arte sabem que o período renascentista representa uma autêntica revolução na história da pintura artística, tendo seus expoentes mais conhecidos nos nomes de Leonardo da Vinci e Michelangelo. Um nome não menos importante, embora não tenha vivido na época do Alto Renascimento (início do século XVI) é a figura de Fra Angelico (1395-1455).
Guidolino da Pietro, conhecido como Fra Giovanni da Fiesole ou Fra Angelico, nasceu em Vicchio, aldeia de Mugello, em Florença, Itália. Formou-se frade da ordem dominicana no convento de Fiesole, local que marcou seu nome. Entretanto, o nome que adquiriu mais tarde (“Angélico” em português) foi após a revelação de seu talento artístico, cuja obra fora dedicada à temática religiosa. Angelico tornou-se um pintor religioso no fim do período gótico e início das obras renascentistas.
O “crime” de Yeshua
Fra Angelico pintou várias obras representando passagens dos Evangelhos, incluindo momentos da Paixão de Cristo. Ao ilustrar a crucificação, não somente demonstrou seu conhecimento dos estudos linguísticos que marcaram Florença na primeira metade do século XV, mas deu um indício do que realmente possa ter sido a inscrição original em hebraico do “crime” cometido por Yeshua.
A inscrição da placa afixada no alto da cruz em sua pintura artística diz:
ישוע הנצרי ומלך היהודים
Sua tradução é “Yeshua o Nazareno e Rei dos Judeus”. Fra Angelico acrescenta a letra vav — ו —, conjunção equivalente ao “e”, antes de “Rei” e isso é muito significativo, uma vez que o acróstico formado pela inscrição é o tetragrama sagrado do nome impronunciável de Deus —יהוה (iniciais da direita para esquerda). Embora não haja como verificar o original em hebraico da inscrição ordenada por Pilatos, a pintura de Fra Angelico é muito sugestiva e parece bem fundamentada por alguém versado na língua hebraica. Não apenas versado na língua, mas conhecedor das tradições dos mestres da Torá, das quais transmitir ensinamentos por acrósticos era apenas uma delas.
Não sabemos o motivo nem a profundidade do estudo feito por Angelico que o levou a adotar essa inscrição precisa em sua pintura, mas podemos afirmar que há uma boa probabilidade de essa ter sido a inscrição original. Neste caso, teria sido uma inscrição inspirada por Deus, feita por ordem de Pilatos e escrita por algum soldado romano. E ambos não teriam tido a mínima noção do acróstico nela contido.
“EU SOU O QUE SOU”
Quando Deus visita Moisés e lhe ordena ir para o Egito libertar seu povo, ele indaga: “Eis que quando eu for aos filhos de Israel, e lhes disser: O Deus de vossos pais me enviou a vós; e eles me disserem: Qual é o seu nome? Que lhes direi? E disse Deus a Moisés: EU SOU O QUE SOU. Disse mais: Assim dirás aos filhos de Israel: EU SOU me enviou a vós” (Êx. 3:13-14).
EU SOU O QUE SOU passou a ser uma das formas de expressar o Nome de Deus, o que era também uma referência ao tetragrama sagrado e impronunciável. Ele é impronunciável não apenas pelo fato de que só o sumo sacerdote poderia pronunciá-lo apenas uma vez ao ano, durante o Yom Kippur, mas porque não há como saber sua pronúncia exata, pois a ausência dos nikudot (sinais de vocalização) na Torá assim o impede. Portanto, dizer que o tetragrama significa Jeová, ou Javé, ou Yeová, seja como for, é pura especulação. Não há como pronunciá-lo com base nos textos originais.
Ao debater com alguns fariseus, Yeshua lhes falava sobre o Pai, mas não puderam compreender seu discurso. Logo, Ele diz: “Quando levantardes o Filho do homem, então conhecereis que EU SOU” (João 8:28). Yeshua estava fazendo alusão direta ao Nome que Deus dera a Moisés para se revelar aos filhos de Israel.
Essa pode ter sido uma profecia de que o Nome da aliança do Deus de Israel, o Nome sagrado e impronunciável seria revelado na cruz, quando o Filho do Homem fosse levantado diante de todos. Se, de fato, a inscrição sugerida por Fra Angelico foi precisa, a forma que Deus encontrou para revelar seu Nome através do sacrifício de Yeshua foi simplesmente extraordinária.
Isso explica o porquê de, ao detectarem o tetragrama sagrado na inscrição, os principais sacerdotes terem ficado tão inconformados a ponto de reclamarem, em vão, sobre ela com Pilatos. Aqueles fariseus não estavam preparados para admitir que aquele homem inocente crucificado diante deles era o próprio EU SOU, o Todo-Poderoso do universo.
Getúlio Cidade é escritor, tradutor e hebraísta, autor do livro A Oliveira Natural: As Raízes Judaicas do Cristianismo e do blog www.aoliveiranatural.com.br.
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