
Os moradores de Jebu, uma vila agrícola de maioria cristã no distrito de Tahoss, estado nigeriano de Plateau, estão de luto pela morte de ao menos 32 membros da comunidade, vítimas de um ataque de milícias armadas Fulani na manhã da segunda-feira (14).
O ataque, iniciado por volta das 3h da madrugada, resultou na morte de homens, mulheres, crianças e até de um bebê de apenas 3 meses.
Segundo relatos obtidos pela International Christian Concern (ICC), os agressores incendiaram dezenas de casas, devastaram terras agrícolas e deixaram a igreja local em ruínas.
Sobreviventes relataram que o ataque foi repentino e coordenado. Testemunhas afirmaram que os agressores, armados com rifles e facões, cercaram a comunidade, disparando contra os moradores que ainda dormiam.
O silêncio da madrugada foi rompido por rajadas de tiros, pelo estalar dos telhados em chamas e pelos gritos angustiados de famílias em fuga desesperada.
“Acordamos com o som de tiros por toda parte”, disse Ezekiel Dung, um agricultor local que escapou por pouco com a esposa e os dois filhos.
“Eles vieram de todos os lados, atirando e incendiando casas. Quem correu foi baleado. A família inteira do meu vizinho foi morta em casa.”
Vítimas irreconhecíveis
Muitas vítimas ficaram irreconhecíveis após terem suas casas consumidas pelo fogo. Em alguns casos, os corpos de famílias inteiras foram encontrados amontoados entre os escombros.
Quando os líderes comunitários chegaram ao local, já após a retirada dos agressores, se depararam com uma cena devastadora: prédios em chamas, plantações carbonizadas e corpos espalhados pelas ruínas do que antes foi uma vila próspera.
Entre as vítimas estava o jovem líder comunitário Weng Dachung, que tentou mobilizar outros moradores para proteger suas casas.
Segundo relatos de diversos moradores, os soldados posicionados nas proximidades não ajudaram os moradores durante o ataque. Muitos deles alegaram que os militares impediram a reação dos jovens contra os agressores.
“Os soldados estavam por perto, a poucos metros de onde as casas estavam queimando”, disse um morador, que pediu anonimato, ao TPI. “Eles mandaram os jovens se afastarem e não fizeram nada, pois as pessoas estavam sendo mortas.”
Omissão das autoridades
O Quartel-General da Defesa da Nigéria permanece em silêncio diante das alegações.
Situações de omissão por parte das forças de segurança durante ataques não são incomuns nas regiões rurais de Plateau, onde moradores frequentemente denunciam a lentidão ou a ineficácia da resposta das autoridades.
Poucas horas após o ataque, o governador de Plateau, Caleb Manasseh Mutfwang, esteve em Jebu para avaliar os danos e prestar solidariedade aos sobreviventes.
O ataque resultou na morte de homens, mulheres e crianças. (Foto: X/Plateau State Directorate of Press)
Em pronunciamento à comunidade, o político condenou a violência e repudiou o uso da expressão “conflito entre agricultores e pastores”, comumente adotada nas narrativas oficiais para descrever esse tipo de tragédia
“Isso é violência organizada contra pessoas inocentes”, disse o governador aos moradores. “O governo garantirá justiça e reconstruirá o que foi destruído.”
Mutfwang garantiu que o governo estadual documentaria a extensão total dos danos para compensação e anunciou planos para fornecer apoio psicossocial aos sobreviventes.
Igreja destruída
A igreja local – espaço de culto e de encontros comunitários – foi completamente destruída no ataque. O reverendo Musa D. Alamba perdeu não apenas sua congregação, mas também sua casa, pertences pessoais e carro.
“Perdi meus membros. Perdi tudo”, disse o pastor. “Apelo ao governo e aos nigerianos de boa vontade para que nos ajudem. Precisamos de comida, roupas e um lugar seguro para ficar.”
Atualmente, o reverendo está abrigado sob uma árvore próxima às ruínas da igreja, junto a dezenas de moradores deslocados.
Crianças descalças ficam sentadas em esteiras no chão, sem falar, olhando as cinzas das casas destruídas, enquanto seus pais enfrentam a dura realidade de buscar comida e água.
Entre os mortos estava um integrante da Operação Arco-Íris, uma organização de segurança com apoio do estado. Sua morte evidencia a gravidade e a audácia dos agressores, que atuaram de forma livre e coordenada por mais de duas horas antes de se retirarem.
Para agravar a indignação pública, o Quartel-General da Defesa da Nigéria divulgou, no mesmo dia do ataque, um comunicado elogiando tropas que recusaram um suborno de ₦13,7 milhões (cerca de R$ 49.731,00) durante uma operação não relacionada em outra região do estado.
Embora a nota buscasse destacar a integridade das forças de segurança, moradores de Jebu afirmaram que ela pouco faz frente à falha em impedir ou interromper o massacre.
Violência
Na tarde de segunda-feira, os moradores iniciaram o sepultamento dos mortos em covas rasas, escavadas atrás das ruínas da igreja.
Sem acesso a instalações mortuárias e diante do calor intenso que acelerava a decomposição dos corpos, os homens usaram pás para cavar enquanto mulheres e crianças choravam ao redor.
“Tememos que eles voltem”, disse Grace Pam, uma viúva que perdeu dois filhos no ataque. “Precisamos de soldados que nos protejam, não apenas fiquem parados assistindo.”
O ataque à vila de Jebu faz parte de uma série de episódios violentos que assolam o estado de Plateau, onde comunidades cristãs rurais vêm sendo alvo recorrente de grupos armados.
Segundo monitores locais consultados pelo TPI (Tribunal Penal Internacional), mais de 150 pessoas foram mortas em ataques semelhantes desde janeiro. A maioria deles ocorre durante a noite, com incêndios criminosos em casas e plantações, resultando no deslocamento forçado de famílias inteiras.
A escalada da violência obrigou inúmeras famílias a buscar refúgio em abrigos improvisados, escolas ou casas de parentes em localidades vizinhas.
Organizações humanitárias têm registrado um aumento preocupante de casos de fome e traumas psicológicos entre os sobreviventes, muitos dos quais perderam suas moradias, rebanhos e meios de sustento.
Organizações religiosas e ONGs locais iniciaram esforços de ajuda humanitária em Jebu, mas as carências são alarmantes. Há uma demanda urgente por alimentos, roupas de cama, vestuário e apoio psicológico para os sobreviventes.
Incerteza sobre futuro
Com a temporada de cultivo interrompida e as terras agrícolas destruídas, cresce a preocupação de que a insegurança alimentar se intensifique nos próximos meses.
“O que estamos vendo é o colapso da vida rural em partes de Plateau”, disse John Pam, voluntário de uma iniciativa de assistência local. “As pessoas estão abandonando as aldeias porque não se sentem mais seguras. Se isso continuar, veremos deslocamentos em massa.”
Segundo a Christian Concern, até agora organizações humanitárias internacionais não emitiram declarações sobre o ataque em Jebu, enquanto ativistas locais estão pedindo atenção global para o que eles descrevem como uma crise silenciosa que se desenrola no Cinturão Médio da Nigéria.
Com a chegada da noite em Jebu, o cheiro persistente de fumaça continua a pairar no ar. Em meio às ruínas, os sobreviventes se agrupam em silêncio, compartilhando suas perdas e expressando incertezas sobre o futuro.
Com valas comuns atrás de si e os escombros de suas casas à frente, esperam para saber se as promessas de justiça e reconstrução finalmente serão realidade.
O ataque à comunidade de Jebu se junta a uma série de ataques letais contra áreas rurais do estado de Plateau em 2025.
Conforme levantamento do TPI, este é o quarto grande episódio registrado na Área de Governo Local de Riyom nos últimos dois meses. Moradores expressam temor de que, sem reforço na presença das forças de segurança e responsabilização efetiva dos agressores, Jebu não seja a última vila a sofrer tamanha devastação.